A JUSTIÇA NÃO É CEGA
QUANDO EM CAUSA
ESTÃO OS PODEROSOS
Usamos este título não porque seja coisa nova, mas porque há mais uma entidade influente a denunciar quão escabroso vai o 'Estado de Direito'. O pilha-galinhas que rouba 10 euros vai dentro. O corrupto de milhões paga aos advogados do sistema para tratarem da prescrição. Bastonária dixit
Li a entrevista com algum atraso, já que foi publicada no penúltimo número do Expresso. Sem ser uma bomba desconhecida, as ideias constantes preocupam por isto: são os quadros que assumem cargos vitais do País a denunciar quão injusta é a nossa Justiça. Justiça exercida a duas velocidades consoante o 'freguês' apanhado nas couves tem muito ou pouco dinheiro.
A Justiça é cega? Ora, a Justiça só não enxerga quando não lhe interessa.
Só que os quadros apontam a situação arbitrária e nada acontece, ninguém faz nada!
A Bastonária da Ordem dos Advogados Elina Fraga, sucessora de Màrinho e Pinto, perante a pergunta do Expresso "os meios actuais são suficientes para investigar os poderosos?", responde só isto:
"Não são, claramente, suficientes. Não há vontade política de perseguir os poderosos, de que haja investigações que resultem no final na aplicação de uma pena de prisão. E, se reparar, todas as contra-ordenações que são aplicadas a pessoas poderosas acabam sempre por prescrever. As coimas milionárias que são aplicadas dão títulos de jornal, mas depois essas coimas não são cobradas pelo Estado porque existem advogados especializados em fazer correr prazos que estão previstos na lei, utilizando-se expedientes dilatórios para conseguir a prescrição."
Ahn?! Que País! Que justiça! É a própria Bastonária quem reconhece e enfatiza esta pouca-vergonha. Que se pronuncie o cidadão que já teve o azar de o Estado lhe pôr a pata em cima. Um simples atraso no pagamento do selo do carro. Veja lá se tem dinheiro para que um advogado faça prescrever a linda multa!
Quer-se dizer que expedientes como o recurso para 'tribunais arbitrais' são dilatórios? - perguntará o Leitor, acrescentando que o jornalista devia ter posto a questão à Bastonária. Mas foi exactamente com isso que o jornalista confrontou Elina Fraga, que respondeu novamente sem papas na língua:
"Claro. São os tribunais judiciais que têm garantias de isenção e imparcialidade absolutamente reforçadas. Por que é que os contratos públicos, quando há um litígio, são resolvidos por 'tribunais arbitrais', quase sempre com o Estado a ter condenações graves?"
Estamos a ver os esquemas montados, que somos sempre nós a suportar, quando há 'poderosos' no baralho. Porque este não é um caso em que a Bastonária esteja gratuitamente a puxar a brasa à sardinha. São declarações graves.
Que apetecia perguntar logo a seguir? O jornalista soube-o fazer bem, pondo a questão à Bastonária: "Está a levantar suspeitas sobre quem?"
Resposta: "O que lhe posso dizer é que a anterior ministra da Justiça é uma das fundadoras da associação portuguesa de arbitragem. A dra. Paula Teixeira da Cruz, enquanto advogada, contribuiu para a afirmação da arbitragem em Portugal. E enquanto ministra da Justiça colocou um enfoque muito grande na arbitragem, tornando-a obrigatória em relação a determinadas matérias. Em simultâneo, desqualificou os tribunais que são órgãos de soberania. Isso são factos. Não é a minha interpretação."
Dizemos o mesmo: isto não somos nós pr'aqui a mostrar maus fígados. São declarações da Bastonária da Ordem dos Advogados. Paula Teixeira da Cruz fez tudo isso. E quem pode pôr termos a essas patifarias? O Semeador?
Claro. O sistema! 'Eles' é que legislam...
Falta referir o caso dos advogados-deputados. Como é possível uma acumulação tão propícia a tentações à custa da combinação das duas actividades?
"Alguém pode atender um cliente de manhã e fazer uma lei à tarde capaz de abstractamente beneficiar esse cliente. O reforço da transparência exige que haja uma incompatibilidade do exercício da advocacia com a função de deputado." Mais palavras da Bastonária, sobre muitos colegas advogados.
Mais estas: "Há um número muito significativo de deputados que têm as suas consciências hipotecadas e que se demitiram da defesa da cidadania."
Então na Madeira!...
Pois, mas isto é a Bastonária a dizer.
E teimam eles em que a Justiça é cega!