A taxa de desemprego
promove
a exclusão social
Vitorino Seixas
Quando, no passado dia 9 de fevereiro, li que a
taxa de desemprego de 11%, no 4º trimestre de
2016, era a mais baixa dos últimos 5 anos, lembrei-me da
história de um homem que tinha uma pequena propriedade no caminho de Atenas para
Elêusis. Quando os viajantes passavam pela sua propriedade, raptava-os,
presenteava-os com um lauto jantar e depois convidava-os a passarem a noite
numa cama especial. Como a cama devia servir na perfeição ao viajante, cortava
as pernas com um machado aos que fossem demasiados altos e esticava as pernas
aos que fossem demasiado baixos. Como a alcunha do homem era Procusto, que
significa “o esticador”, esta história da mitologia grega é conhecida como a
Cama de Procusto ¹.
Pode parecer estranho citar esta
história, mas todos os dias nos defrontamos com situações que espelham uma Cama
de Procusto. Por exemplo, na educação, em vez de se ajustar o programa escolar
às crianças, ajustam-se os cérebros das crianças ao programa escolar dando-lhes
comprimidos.
Do mesmo modo, no caso da taxa de
desemprego, em vez do governo regional investir em políticas de criação de
emprego para reduzir o desemprego, “corta” no número de desempregados de modo a
obter uma taxa de desemprego mais baixa. Neste caso, para reduzir a taxa de
desemprego não é utilizado um machado, mas sim um conjunto de truques mágicos que
permitem “cortar” milhares de desempregados. Acresce que os truques mágicos são
definidos por legislação, pelo que o “machado” é um instrumento de corte legal.
Contudo, esta prática levanta uma questão ética: é legal, mas é eticamente
aceitável? Eliminar milhares de
desempregados através de truques legais, é excluí-los do acesso aos programas
de emprego, ou seja, é promover a sua exclusão social.
Para termos uma ideia do enorme impacto
dos truques legais que são utilizados para reduzir a taxa de desemprego vou abordar
três dos inúmeros truques. O primeiro, tem a ver com o artifício de não incluir
no cálculo do “desemprego no final do mês” os “desempregados ocupados”. Basta
consultar o mapa “Evolução Trimestral do Desemprego na Madeira 2016” ² para
verificarmos que, apenas com este truque mágico, a taxa de desemprego trimestral
baixa mais de 1,5 pontos percentuais. Por exemplo, em dezembro de 2016, a taxa
de desemprego foi reduzida em 1,9 pontos. Este artifício é um exemplo gritante
da injustiça com que são tratados milhares de desempregados: continuam a estar
desempregados, mas não contam para as estatísticas do desemprego. O truque é simples e funciona: basta gastar mais uns milhões em
programas de emprego para aumentar os “desempregados ocupados” e, desse modo,
reduzir a taxa de desemprego para “ficar bem” nas estatísticas nacionais.
O
segundo truque mágico diz respeito ao conceito de “empregado” ³. Segundo o
conceito utilizado, é considerado empregado qualquer “indivíduo
com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, tenha efetuado um trabalho
de pelo menos uma hora”. Com este critério, fica claro que muitos deixam de ser
desempregados por um truque de magia, e são excluídos do acesso aos apoios para
desempregados. Infelizmente, as estatísticas oficiais não referem quantos empregados,
na verdade “sub-empregados”, trabalharam uma hora ou mais, no período de
referência, mas receberam remunerações tão baixas que vivem abaixo do limiar de
pobreza. Por outras palavras, este conceito beneficia o governo que pode cortar
na taxa de desemprego, mas tem um impacto nefasto nos “sub-empregados” que são
jogados no esquecimento, como se comprova pelo facto de não existir nenhum
programa de emprego dirigido a este público-alvo.
O terceiro
truque mágico tem a ver com o conceito de “desempregado”
³: indivíduo com idade dos 15 aos 74 anos que, no período de referência, cumpre
simultaneamente três requisitos: não tinha trabalho remunerado nem qualquer outro,
estava disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não e tinha
procurado um trabalho, isto é, tinha feito diligências para encontrar um
emprego remunerado ou não. Com este exigente conceito, basta que um
desempregado não preencha uma das exigências da longa lista de requisitos para
comprovar as diligências para encontrar emprego, ou para comprovar que estava
disponível para aceitar um emprego, para deixar de ser considerado
desempregado. Também neste caso, as estatísticas oficiais não referem quantos
empregados são eliminados mensalmente, nas famosas operações de “limpeza de
desempregados”. De referir que, caso seja anulada a inscrição de um
desempregado por incumprimento de um requisito, este terá de esperar 90 dias
para se reinscrever como desempregado. Mais uma vez, este conceito apenas
beneficia o governo, o qual pode recorrer a este truque de magia para eliminar milhares
de desempregados e baixar a taxa de desemprego durante 3 meses.
Pelo
exposto, creio que estes três truques são suficientes para tornar claro que a taxa de desemprego oficial de 11% no 4º
trimestre de 2016, apesar de legal, é uma criação estatística artificial. Na
realidade, se considerarmos os “desempregados ocupados” a taxa de desemprego sobe
para 12,9%. E, se consideramos os “desempregados desaparecidos” ⁴, a taxa de desemprego
sobe para 13,3%, uma taxa que deveria fazer corar de vergonha os procustianos
políticos da Renovação.
Em abono da verdade, um
destes políticos já declarou publicamente a sua vergonha ao afirmar numa entrevista que “o flagelo do desemprego
mantém-se de forma impiedosa, atirando para a pobreza milhares de pessoas que,
de um dia para o outro, ficaram sem a sua fonte de rendimento e em consequência
gerou-se enormes assimetrias sociais” ⁵.
Voltando ao início, reza a
história que certo dia um intrépido viajante, após o habitual jantar, fez com
que Procusto se deitasse na cama especial e cortou-lhe a cabeça. Procusto
acabou por provar o seu próprio veneno, na mais pura justiça poética.
Por último, tendo em consideração que as notícias
que se publicam sobre o desemprego regional espelham uma visão paradisíaca, gostaria
de partilhar uma frase lapidar de George Orwell “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não
quer que se publique. Tudo o resto é publicidade”.
¹ “A Cama de Procusto”, Nassim
Nicholas Taleb, Dom Quixote, 2010
² “Evolução Trimestral do
Desemprego na Madeira 2016”
DREM – Direção Regional de
estatística da Madeira
³ “Estatísticas do Emprego
da Região Autónoma da Madeira, 4º Trimestre de 2016” (página 33)
⁴ “Desempregados desaparecidos”: desempregados cuja inscrição é
anulada mensalmente e que não constam das Estatísticas Mensais e Trimestrais do
Emprego
⁵ “Entrevista a Savino Correia”, Diário de Notícias da Madeira, 26 de
janeiro de 2017
3 comentários:
E assim ficam os políticos com a careca à amostra.
Muito bom sim senhor é bom a populaça saber destes truques na região alice das maravilhas
Numa terreola africana onde existe mais batoteiros e corruptos por metro quadrado, o que é que estavam à espera? Muitos deles deveriam estar presos por negociatas com violações de PDM's com empreiteiros, mas depois são premiados com cargos governativos! Isto está tudo ao contrário!
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