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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Reflexão



A taxa de desemprego promove 
a exclusão social




Vitorino Seixas


Quando, no passado dia 9 de fevereiro, li que a taxa de desemprego de 11%, no 4º trimestre de 2016, era a mais baixa dos últimos 5 anos, lembrei-me da história de um homem que tinha uma pequena propriedade no caminho de Atenas para Elêusis. Quando os viajantes passavam pela sua propriedade, raptava-os, presenteava-os com um lauto jantar e depois convidava-os a passarem a noite numa cama especial. Como a cama devia servir na perfeição ao viajante, cortava as pernas com um machado aos que fossem demasiados altos e esticava as pernas aos que fossem demasiado baixos. Como a alcunha do homem era Procusto, que significa “o esticador”, esta história da mitologia grega é conhecida como a Cama de Procusto ¹.

Pode parecer estranho citar esta história, mas todos os dias nos defrontamos com situações que espelham uma Cama de Procusto. Por exemplo, na educação, em vez de se ajustar o programa escolar às crianças, ajustam-se os cérebros das crianças ao programa escolar dando-lhes comprimidos.

Do mesmo modo, no caso da taxa de desemprego, em vez do governo regional investir em políticas de criação de emprego para reduzir o desemprego, “corta” no número de desempregados de modo a obter uma taxa de desemprego mais baixa. Neste caso, para reduzir a taxa de desemprego não é utilizado um machado, mas sim um conjunto de truques mágicos que permitem “cortar” milhares de desempregados. Acresce que os truques mágicos são definidos por legislação, pelo que o “machado” é um instrumento de corte legal. Contudo, esta prática levanta uma questão ética: é legal, mas é eticamente aceitável? Eliminar milhares de desempregados através de truques legais, é excluí-los do acesso aos programas de emprego, ou seja, é promover a sua exclusão social

Para termos uma ideia do enorme impacto dos truques legais que são utilizados para reduzir a taxa de desemprego vou abordar três dos inúmeros truques. O primeiro, tem a ver com o artifício de não incluir no cálculo do “desemprego no final do mês” os “desempregados ocupados”. Basta consultar o mapa “Evolução Trimestral do Desemprego na Madeira 2016” ² para verificarmos que, apenas com este truque mágico, a taxa de desemprego trimestral baixa mais de 1,5 pontos percentuais. Por exemplo, em dezembro de 2016, a taxa de desemprego foi reduzida em 1,9 pontos. Este artifício é um exemplo gritante da injustiça com que são tratados milhares de desempregados: continuam a estar desempregados, mas não contam para as estatísticas do desemprego. O truque é simples e funciona: basta gastar mais uns milhões em programas de emprego para aumentar os “desempregados ocupados” e, desse modo, reduzir a taxa de desemprego para “ficar bem” nas estatísticas nacionais.

O segundo truque mágico diz respeito ao conceito de “empregado” ³. Segundo o conceito utilizado, é considerado empregado qualquer “indivíduo com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, tenha efetuado um trabalho de pelo menos uma hora”. Com este critério, fica claro que muitos deixam de ser desempregados por um truque de magia, e são excluídos do acesso aos apoios para desempregados. Infelizmente, as estatísticas oficiais não referem quantos empregados, na verdade “sub-empregados”, trabalharam uma hora ou mais, no período de referência, mas receberam remunerações tão baixas que vivem abaixo do limiar de pobreza. Por outras palavras, este conceito beneficia o governo que pode cortar na taxa de desemprego, mas tem um impacto nefasto nos “sub-empregados” que são jogados no esquecimento, como se comprova pelo facto de não existir nenhum programa de emprego dirigido a este público-alvo.

O terceiro truque mágico tem a ver com o conceito de “desempregado” ³: indivíduo com idade dos 15 aos 74 anos que, no período de referência, cumpre simultaneamente três requisitos: não tinha trabalho remunerado nem qualquer outro, estava disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não e tinha procurado um trabalho, isto é, tinha feito diligências para encontrar um emprego remunerado ou não. Com este exigente conceito, basta que um desempregado não preencha uma das exigências da longa lista de requisitos para comprovar as diligências para encontrar emprego, ou para comprovar que estava disponível para aceitar um emprego, para deixar de ser considerado desempregado. Também neste caso, as estatísticas oficiais não referem quantos empregados são eliminados mensalmente, nas famosas operações de “limpeza de desempregados”. De referir que, caso seja anulada a inscrição de um desempregado por incumprimento de um requisito, este terá de esperar 90 dias para se reinscrever como desempregado. Mais uma vez, este conceito apenas beneficia o governo, o qual pode recorrer a este truque de magia para eliminar milhares de desempregados e baixar a taxa de desemprego durante 3 meses.

Pelo exposto, creio que estes três truques são suficientes para tornar claro que a taxa de desemprego oficial de 11% no 4º trimestre de 2016, apesar de legal, é uma criação estatística artificial. Na realidade, se considerarmos os “desempregados ocupados” a taxa de desemprego sobe para 12,9%. E, se consideramos os “desempregados desaparecidos” ⁴, a taxa de desemprego sobe para 13,3%, uma taxa que deveria fazer corar de vergonha os procustianos políticos da Renovação.

Em abono da verdade, um destes políticos já declarou publicamente a sua vergonha ao afirmar numa entrevista que “o flagelo do desemprego mantém-se de forma impiedosa, atirando para a pobreza milhares de pessoas que, de um dia para o outro, ficaram sem a sua fonte de rendimento e em consequência gerou-se enormes assimetrias sociais” ⁵.

Voltando ao início, reza a história que certo dia um intrépido viajante, após o habitual jantar, fez com que Procusto se deitasse na cama especial e cortou-lhe a cabeça. Procusto acabou por provar o seu próprio veneno, na mais pura justiça poética.

Por último, tendo em consideração que as notícias que se publicam sobre o desemprego regional espelham uma visão paradisíaca, gostaria de partilhar uma frase lapidar de George OrwellJornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade”. 

¹ “A Cama de Procusto”, Nassim Nicholas Taleb, Dom Quixote, 2010
² “Evolução Trimestral do Desemprego na Madeira 2016”
DREM – Direção Regional de estatística da Madeira
³ “Estatísticas do Emprego da Região Autónoma da Madeira, 4º Trimestre de 2016” (página 33)
⁴ “Desempregados desaparecidos”: desempregados cuja inscrição é anulada mensalmente e que não constam das Estatísticas Mensais e Trimestrais do Emprego

⁵ “Entrevista a Savino Correia”, Diário de Notícias da Madeira, 26 de janeiro de 2017

3 comentários:

Anónimo disse...

E assim ficam os políticos com a careca à amostra.

Anónimo disse...

Muito bom sim senhor é bom a populaça saber destes truques na região alice das maravilhas

Anónimo disse...

Numa terreola africana onde existe mais batoteiros e corruptos por metro quadrado, o que é que estavam à espera? Muitos deles deveriam estar presos por negociatas com violações de PDM's com empreiteiros, mas depois são premiados com cargos governativos! Isto está tudo ao contrário!