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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Política das Angústias











A FOGUEIRA DAS VAIDADES



Podem arder casas, árvores e ânimos populares, desde que o protagonismo na tabanca não se desvie da personagem certa









Lembra um crítico literário que, no livro 'A Fogueira das Vaidades', Tom Wolfe pintou certas personagens "salientando cruelmente o ridículo de toda uma geração onde a ganância, o desejo de poder e a soberba se manifestam na presunção obscena de quem se julga superior".

O cenário dessa crítica social ergue-se na Nova Iorque dos anos 80 do século passado, mas Wolfe bem poderia elaborar uma 'edição de bolso' caso quisesse divertir-se um pouco em duas ou três semanas de turismo pilhérico-espirituoso na 'Pérola do Atlântico'. Inspirava-se na ironia picante que usou no seu 'best seller' derivando para uma tragicomédia em cores bucólicas e, ainda que os livros enxurrassem nas livrarias, o célebre escritor e jornalista daria por bem empregue o tempo aqui passado.


Cada vez que Albuquerque aparece diante das câmaras, o chefe perde anos de vida.


A Região oferece turismo da parva todo o ano e a época de incêndios que vivemos, apesar de coincidir com as áridas férias dos locais, apresenta um cartaz de quadros surreais tão vendíveis como os que a nossa bacoca e divertida casta de políticos cria com intuição espantosa nas outras épocas.
Quem venha de fora com disponibilidade para se distrair fica forçosamente por freguês dos nossos roteiros de turismo político. O que não significa sentirem os aborígenes das ilhas a menor vontade de rir com a 'fogueira das vaidades' que consome a paciência de cada um e o que resta da Madeira.


Ingredientes à farta para uma história de Tom Wolfe

Que história poderia escrever Wolfe desta saga de incêndios na Madeira? Não podemos, não queremos, não devemos nem sabemos ensinar 'o pai nosso ao sr. vigário'. Mas o celebrado escritor não precisaria de muito para elaborar um abrasador enredo em torno de uma luta de 'galos palheiros' numa capoeira de malucos, cada um deles ansioso por ocupar o poleiro mais alto de onde melhor dar ordens aos outros e seleccionar as frangainhas mais apelativas para um harém com penas.

Conforme assumido com todo o descaramento, os cidadãos podem chorar o que chorarem a ver as labaredas consumirem vidas de trabalho, que o grande chefe da tribo só actua em função daquilo que mais satisfizer a sua doentia vaidade. Com os incêndios a levarem ao rubro a cega paixão por si próprio, sua excelência arde em ciúme se outro alguém ousa subir ao palco das ilusões ameaçando beliscar-lhe o protagonismo.
O chefe continua entre dois fogos: de um lado, os incêndios reais que devoram casas, carros, florestas; de outro lado, os incêndios que devoram ânimos das populações há muitos anos, constituindo preocupante incógnita o modo como ele seria recebido se, como ensinam as regras da política, se atrevesse a mostrar-se em carne e osso nos locais devastados para 'contactos com as vítimas'.


Jardim Ramos e Manuel António: um trago para afogar o papel que o chefe lhes distribuiu na opereta.
 


João Cunha e Silva e Manuel António brilham no terreno, entre bombeiros e populares, também eles vestidos nas luzentes vestes de delfins? O rei manda-lhes o secretário dos hospitais no encalço, para neutralizar avanços exagerados. Mas o arquiproblema em matéria de protagonismo, Miguel Albququerque, também lá anda, de colete refulgente como as colossais labaredas que só os heróis desafiam. Enquanto as massas apreciam a coragem de Albuquerque na abertura de contrafogos e ouvem pela TV as suas declarações em pleno teatro de guerra, grande chefe sente-se como que sequestrado nas dependências sombrias da Protecção Civil.


'Estádio das Vaias' é traumatizante

Pensa mais uma vez em lançar-se ao terreno com uma chusma de jornalistas e câmaras atrás. Mas os medos atormentam-no. Com lógica. O seu secretário da Educação acaba de sofrer dolorosa vaia nos Barreiros, quando da apresentação do Marítimo 2012-12. Maldito campo de bola, que bem podia chamar-se 'Estádio das Vaias'! Que 'lapsus linguae', ainda por cima, o do de Jaime Freitas! Chamar CS Madeira ao Marítimo!
Então, é de sua excelência permanecer na quietude e a coberto da distância, sem rasgos rutilantes nos montes e vales sob incêndio, mas ao abrigo da chamuscadura pessoal iminente.

Metido naquelas quatro paredes, de fatinho e gravata, chefe reflecte e reflecte para 'sacudir o lume do capote'.
Primeira medida: aproveitar a desgraça alheia para fazer política, dizendo que quem aproveita a desgraça para fazer política são aqueles que o condenam pela falta de uma estratégia de prevenção de fogos. Pode parecer, mas não é nada confuso.



Se a 'Judite' não inventa bodes expiatórios!...


Segunda medida, fazer o Ricardo da 'Judite' alimentar a tese do terrorismo incendiário, que é para iludir a opinião pública: mesmo com prevenção, ninguém resiste a tantos actos terroristas e acções pirómanas.
O pior é que Ricardo Silva não consegue arranjar bodes expiatórios que salvem a pele ao grande chefe.
Já ninguém vai nas rábulas da garrafa de aguardente deixada por algum folgazão que amanheceu na serra com a namorada. Ou na caixa de fósforos que um eventual incendiário burro deixaria como prova. Ou nas tochas abandonadas à toa.
Vá lá que não apareceram ainda aquelas velas que os fanáticos da macumba costumam deixar em locais ermos das serras, junto a pescoços de galinha e adereços cabalísticos.
Agarraram um desgraçado nos confins da nortenha Boaventura, mas que relações pode haver aí com a vaga de incêndios no centro e em todo o sul da ilha?!
Ou os mações são tantos que logram atear fogos em tantos sítios da ilha ao mesmo tempo ou então temos aí um pirómano mais veloz do que a luz, de tocha na mão, em corrida desenfreada.
Enfim, para distrair o povo revoltado, inventaram os oficialistas um ou dois carros pretos que andariam cheios de incendiários a espalhar fogos por todo o lado. Mas, para sermos sérios, carros pretos com incendiários dentro foram aquelas 10 ou 15 viaturas oficiais que andaram quinta-feira por aí, transportando atrás de batedores imponentes uns sujeitos engravatados, incluindo chefe Jardim mais o secretário regional dos hospitais perdidos. Esses, com quem nos cruzámos na Boa Nova (o ministro da Administração Interna refastelava-se num dos bólides), é que provocam incêndios com a falta de prevenção que a lei manda e com as declarações de guerra política que fazem enquanto o povo chora desesparado a perda dos seus haveres e o risco de vida que enfrentam.


O cúmulo do exibicionismo e do protagonismo


Quanto a manter o ego cheio de vento, sua excelência marca repetitivas conferências de imprensa, não para anunciar medidas que ajudem as vítimas dos incêndios, mas para lembrar assiduamente que quem manda na tribo ainda é ele. Pode, pois, aparecer nas televisões as vezes que quiser. Já se outro se mostrar, é que está a pôr em bicos-de-pés.
Nessa postura, incumbiu aquele secertário dos hospitais perdidos do ridículo papel de se atirar a um companheiro de regime, actual presidente da Câmara do Funchal, para o acusar de 'protagonismo' e 'exibicionismo'. A que foi dada competente resposta do visado, claro.
O povo de mangueira e balde na mão, os bombeiros arriscando a vida, a floresta desfazendo-se em cinzas... e eles a discutirem graus de ostentação e glória!
Chefe sempre no centro do enredo. Ora dizendo que os jornalistas da Madeira são os piores do mundo; ora dizendo que os jornalistas que chegam de Lisboa são os piores do mundo; ora chamando incompetentes a quem der opinião sem o consultar antes; ora apelidando de 'bordas de água' ambientalistas a cujos calcanhares nunca chegará; ora bradando e mandando mercenários do regime bradar contra o recurso a meios aéreos anti-fogos; ora desancando na oposição que aproveita o mal dos outros para fazer política; ora queixando-se das ajudas externas; ora lançando a opinião popular contra companheiros de partido; enfim, não há quem possa arrogar-se o direito de abrir a boca, só ele é que pode falar de tudo, mesmo de assuntos de que não entende um c...



Cunha e Silva ansioso por largar a 'cruz' que lhe coube, a fim de poder caminhar sozinho.


No final da contenda, o homem sai sempre vencedor. Mesmo no abrigo que arranjou nas instalações da Protecção Civil, ele vendeu a sua banha-de-cobra com propaganda grátis nas televisões, rádios e jornais que ele ataca diariamente com a sua verborreia escatológica; tratou de calar rivais internos no partido e a oposição; condicionou alguns media para dizerem o que ele queria ouvir, sob pena de serem acusados de instrumentalizar a opinião pública nacional e prejudicar o turismo, com 'notícias inventadas'; e, dentro em pouco, ainda é capaz de receber de fora uns apoios compensadores da catástrofe, para, como no 20 de Fevereiro, distribuir pelos "empresários que sempre ajudaram a Madeira".



Segue-se a tradicional viagem a Bruxelas, para recuperar da trabalheira

Que melhores ingredientes pode exigir Tom Wolfe para meter num livrinho? Se quisesse, ainda podia incluir umas personagens patéticas para divertir os leitores, género bispo, representante e presidente do parlamento. Todos eles, a medo para não saírem chamuscados da tragédia, elogiaram a coragem mais o espírito batalhador do povo madeirense. Mas não percebemos bem porquê, já que de incêndios nenhum falou.
A única maçada para o famoso escritor seria uma suplementar deslocação a Bruxelas, para recolher os elementos necessários ao capítulo com que invariavelmente se encerram estas repetidas histórias do género literário neo-vilanismo.
Então agora, depois de uns dias de espectáculo belo-horroroso, com faúlhas medonhas, brilhantes e afrodisíacas a desinquietar as abrasadas mentes, obviamente que sua excelência não dispensará uns valentes dias de repouso por essas Europas fora. Sempre foi a sua melhor forma de recuperar das refregas domésticas, embora à porta do Sheraton de Bruxelas não seja hábito estacionarem ambulância e bombeiros de prevenção para qualquer emergência, como felizmente é uso na Madeira desenvolvida.
A inexorabilidade da História não dispensará a queima dos pavões na 'fogueira das vaidades', tal como aconteceu com Ícaro e as suas asas de penas e cera de abelha. Não falta muito.

3 comentários:

Anónimo disse...

Oxala que com a ansia de mudar o deus ca do pedaco, nao venho a ser pior a emenda que o soneto.Miguel Albuquerque pode ate querer passar a imagem de politico anti sistema instituido, mas nao passa de um tentaclo do mesmo polvo.Sera que nao e vaidoso ? Que nao tem na sua agenda contactos da judite e Procuradores? Nao gosta de um bom Hotel e revistas do J7 ? E tiques do quero mando e posso ?

Luís Calisto disse...

Talvez não me tenha explicado bem, mas no texto fala-se, não em um só, mas em vários 'galos palheiros'.

Anónimo disse...

Agora cada vez que o rei for a Bruxelas vai levar um novo "amigo" caso seja necessário retirar "algo "atravessado na garganta!Chamem os bombeiros!!!