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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Crónica de fim-de-semana




Debate orçamental traído 
por ouvidos de mercador



A dicção e as ideias orçamentais dos secretários, os cacifos sem-abrigo, a polícia municipal e as férias cá dentro


Recebi muitas críticas ao longo da semana pelo suposto desprezo do Fénix aos debates sobre o Orçamento da Região para 2017. Foram reparos justos, mas acho ser hora de me justificar.
Não se tratou de vadiação, como alguns censores insinuaram. Doença, isso sim. Senti agravarem-se os distúrbios de ouvido que se manifestam há pouco mais de um ano, desde que comecei a ouvir os membros deste governo tentarem explicar alguma coisa. Esta semana, então, por mais que pusesse a cabeça inclinada e orelha arrebitada como se faz na terceira idade, para pescar alguma coisa,  não consegui entender se eles discutiam o Orçamento da Região ou se tinham combinado um jogo de associação de palavras; se estavam numa corrente fechada de terapia de grupo; se era uma catarse como fazem as empresas sorrateiramente decididas a despedir pessoal; ou se tudo aquilo que eu via na TV era um retiro espiritual.
Sei que um dos atributos exigíveis aos titulares da pasta de Finanças é falar para dentro, gaguejando, se possível um pouco fanhoso e respondendo alhos quando lhes perguntam bugalhos. Há variantes. A mudez é uma delas. Tivemos Susano França que apenas por gestos respondia às perguntas sobre o descalabro financeiro que o então desenvolvimentismo prometia. Fazia-se uma pergunta e o então secretário regional estava afónico. Só que os tempos modernos obrigam aqueles titulares a falar, nem que seja à força, porque, sobretudo na Madeira, a desgovernação faz-se nos media. Teixeira dos Santos trabalhava com manha. Falava muito para o ouvinte chegar ao fim confundido, incapaz de sintetizar a vozearia do homem. Pelo contrário, com Vítor Gaspar fez furor a técnica de adormecer a audiência. Mário Centeno põe a plateia a rir. No nosso caso regional, se era preciso a máxima atenção para perceber 20% do que Ventura Garcês dizia, com este Gasparzinho esqueçam. 
Eu não gostaria de estar na pele dos funcionários da Assembleia encarregados de passar aquelas discursatas soletradas, indecifráveis e sem sentido para o Diário de Sessões. Devem andar com a gravação atrás mais de cem vezes por frase completa. Imaginemos estes meninos do desgoverno a falar num parlamento do pré-histórico tempo em que o recurso para os diários de sessões era a taquigrafia!
Ouvindo apenas Gasparzinho, uma pessoa pensa: não é defeito dos ouvidos, aquilo é estratagema de executivo de Finanças. O pior é que com os outros acontece o mesmo. Tentamos seguir um raciocínio. As palavras chegam já difusas à entrada do pavilhão auricular, perdem sentido ao percorrerem o canal auditivo e soam chinês ao embaterem no tímpano.
São eles que não sabem falar - dirão os meus amigos para me animar. Obrigado, mas só pode ser defeito destas ouvideiras. É que, nos meus ouvidos, aquilo são praticamente os secretários todos. Não entendo uma!
É verdade que não tenho problemas para perceber as teorias que Miguel Albuquerque desbobina lá em baixo. Como dizia o experimentado Estêvão da Silva, pelo bulir dos beiços a gente sabe o que ele está dizendo. Depois de tantos anos... 
Rubina Leal também é um caso de hábito. A secretária da Inclusão fala para que os especialistas em linguagem gestual percebem. E a gente vai atrás. 
O caso de Eduardo Jesus é diferente. Percebo as palavras que ele diz. Saem explicadas e nítidas. Mas juntando a frase, a gente não sabe se ele disse que o ferry e o cargueiro vêm ou se vão.
Humberto Vasconcelos também tem uma característica curiosa: consigo percebê-lo perfeitamente quando fala de improviso, aí parece um papagaio; quando resolve ler, como na apresentação do orçamento do seu pelouro, nem com legendas. Tomara que em próximas oportunidades o faça como sabe, com as necessárias cábulas, mas improvisando, porque sempre é mais um dos poucos que entendemos. 
Quanto aos restantes, francamente, estes ouvidos não chegam lá. Mais uma vez, o defeito é aqui do telespectador. Tanto assim é que, lendo os relatos na imprensa, os discursos deles aparecem quase na íntegra. Foram entendidos. Ao passo que os da oposição, muitos dos quais entendi, os jornais não os perceberam, porque não aparecem reproduzidos.
Não venham dizer que é cera nos ouvidos, porque desde os velhos tempos do Dr. Sotero Gomes aqui não faltam cuidados preventivos. Antes deste governo, eu ouvia tudo e muito bem.
Cá para nós, aprovarem o Orçamento ou não, cortarem aqui ou acrescentarem acolá, vai tudo dar no mesmo, pelo que não se perde nada em passar adiante. O disco será o mesmo em 2017.
Mas eu não ficava bem se não explicasse o "desprezo" de que me acusaram.

Preocupado com a doença dos ouvidos, voltei a sublimação para vertentes mais agradáveis desta Pérola do Atlântico. Não posso deixar de mencionar o acto do samaritano Paulo Cafôfo, que, segundo anúncio de primeira página, vai instalar 12 cacifos ao ar livre para disponibilizar à população sem-abrigo. Sim, que isto não pode ser só dizer mal, meus senhores. Finalmente, alguém se lembra dos desgraçados que erram noite e dia pela cidade sem um sítio seguro onde guardar os sacos de plástico das beatas e muda de roupa e a meia garrafa de Ganita que ficou para a madrugada seguinte. Esses vagabundos agora pelo menos terão um lugarzinho onde manter a salvo o telemóvel, a carteira do dinheiro e a chave do carro, porque a cidade, sendo pacífica, oferece também alguns perigos sobretudo de noite. Será até psicologicamente mais reconfortante um sem-abrigo estender-se sobre o cartão na 'pensão estrela', com um olho no sono e outro no cacifo, a vigiar. Até para o próprio Cafôfo é um respirar fundo: pode fazer as suas excursões por esse mundo, com técnicos e secretárias, muito descansado, sem estar preocupado com a tralha dos sem-abrigo. O mesmo para Miguel Albuquerque: o chefe do Establishment precisa de concentração durante as caçadas em África, porque falhar o tiro num leão por causa da lembrança de uma tristeza na Tabanca não deve ser lá muito agradável. 
Vem a talho de foice outra grande notícia desta semana: que os madeirenses, julgamos que fartos de passar férias em destinos exóticos género Havai ou género Tailândia, estão mais resolvidos a fazer férias cá dentro. Ora aí está uma saída também para os sem-abrigo do Funchal, até agora impedidos de ir de férias por falta de um cacifo onde deixar a sua bagagem segura. Pois agora é trancar os haveres todos e ir por essa Madeira dentro, naqueles safaris em jipes pintados de zebra, ou, por que não, participar num eco-trail e experimentar a vertigem do canoeing. O sedentarismo nas escadas do Anadia e nas costas do Mercado precisa de ser combatido. Cuidadinho com a saúde de cada um.
Se o turismo, como se lê hoje, bate o recorde em apenas 10 meses de 2016, com os madeirenses (sem-abrigo incluídos) a fazer turismo cá dentro, em vez de Brasil e Vietname, não há Guiness que resista!
Depois do alarme à conta da catarse no Parlamento, esqueçamos os transtornos de audição e entremos já no prometido "Natal descansado", com tolerâncias de ponto a dar com um pau. 
Ainda sobre os cacifos: andam a tentar obter internacionalmente títulos de património mundial para a lapinha, missas do parto, tabaibo. Isto não dá nenhuma ideia? 

PS - De propósito não referi a estratégia cafofiana de provocar a indisciplina nas esplanadas para depois arranjar polícia que a combata. A isto chama-se fazer mexer a economia. Não o referi para evitar as habituais acusações das Angústias sobre um favorecimento aos Paços do Concelho que não existe. Como eles não têm tempo de ler isto até ao fim, cá fica o registo.

2 comentários:

Anónimo disse...

O Debate do OR valeu por este excelente artigo. Bem haja, Caro Calisto.

Jorge Figueira disse...

Meu Caro Calisto
Julgo haver uma gralha no texto. Tratou-se de um debate Ornamental - a época empurra esta "coisa" para a árvore de Natal - pois ele nada teve de Orçamental.