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sábado, 26 de outubro de 2019



Rumos





Ricardo Meneses Freitas


Ainda estará tilintando na cabeça do nosso povo a enxurrada ideológica incutida nos três atos eleitorais deste concorrido ano. O cardápio ideológico apresentado nunca foi tão extenso, e tão divisivo, roçando um espírito de convulsão ideológica mais coadunante com os idos anos 60, ou com os turbulentos anos 20, do século passado. 
A pés juntos juraram-se água e azeite, socialistas e sociais-democratas, liberais e comunistas, nacionalistas conservadores e progressistas, enfim, fomos todos bem compartimentados ideologicamente não fossemos todos nós julgar que de fundo, há pouco, se não nada, a mudar no núcleo do funcionamento do nosso regime democrático.

Na verdade, a verdadeira luta ideológica morreu com a queda do muro de Berlim e com o implodir da economia controlada pelo estado. Hoje é claríssimo que existe só um sistema económico em funcionamento no Mundo e que as derivas ideológicas de hoje não são mais que abordagens, mais ou menos díspares, ao posicionamento perante esse sistema, mas sempre assentes numa perspetiva muito mais pragmática do que ideológica.
Olhemos para aquele que é considerado o último bastião comunista do Mundo, a China. Nesta passada semana fez notícia o terrível caso de um camião frigorífico onde pereceram 39 nacionais chineses que procuravam uma vida melhor no Reino Unido. Hoje faz notícia a ultrapassagem da China aos EUA no número de cidadãos nos 10% mis ricos do Mundo. A China apresenta agora 100 milhões de cidadãos nestas condições contra 99 milhões dos EUA. Não sei se o caixão de Mao Tsé-Tsung tem espaço suficiente para as voltas que o mesmo quererá dar, ou se o embalsamento de Lenine o impede de se levantar e iniciar uma nova revolução bolchevique. De facto, os bastiões da alternativa ideológica tornaram-se, em algumas décadas, no pináculo daquilo que estes países outrora juraram lutar. A China, tal como a Rússia, são hoje o paraíso capitalista onde a desigualdade não é tão só notória, como escandalosamente podre e injusta.
Muitas vezes fomos avisados contra a venezuelazação do Estado e da RAM que se esconderia nas entrelinhas dos projetos políticos do BE e do PCP, mas de facto, algumas das coisas defendidas por estes partidos fazem escola em círculos políticos tão distantes do caso venezuelano como o são o Partido Democrata dos EUA (taxação da riqueza), ou o sistema de ensino finlandês (totalmente público). Não caro leitor, a Venezuela é, infelizmente, um estado gerido por criminosos e o sucessor do narco-estado da Colômbia. O que se passa lá não é ideológico, tal como no Partido Comunista Chinês ou na autocracia mal disfarçada do Kremlin, o que existe são projetos de poder travestidos de ideologia.
O mundo está virado do avesso. A América de Trump virou as costas ao seu grande legado, o mercado livre, e a China luta ferozmente pela manutenção do mesmo perante um olhar incrédulo de organizações como a Organização Mundial de Comércio. Sim, a China luta pela liberalização do comércio mundial enquanto os EUA remam em sentido contrário pervertendo o sentido da lógica comercial por uma lógica estatal de equilíbrios comerciais. Com um olhar mais atento, diria que a China rema à direita, com um sistema político de esquerda, e os EUA remam à esquerda com um partido de direita. Caro leitor eu já troquei as mãos e não sei o que é esquerda ou direita. No Reino Unido, o Torie Boris pretende remar mais à direita do que a China, liberalizando e desregulando os mercados financeiros e para tal conta com o amigo republicano Trump, cuja atuação tem sido exatamente no sentido contrário. Fazemos todos nós melhor se não nos concentrarmos muito nas siglas e atentarmos mais à praxis, por mais louca e incômoda que ela se revele.
Nisto tudo, alguns meios académicos gritam que a desigualdade atinge níveis só registados no tempo do feudalismo. Na França e no Chile, a corda está esticada ao ponto de quebrar e os anúncios de aumentos no combustível e eletricidade despoletaram movimentos civis de protesto que poucos imaginavam. As alterações climáticas vieram na altura errada e propõem-se a ser o motor para a tempestade perfeita na medida que a mesma promoverá ainda mais as desigualdades. Muito dificilmente se conseguirá promover uma adaptação socialmente justa num sistema mundial onde os que mais têm são os que mais capacidade têm para fugir às suas responsabilidades sociais, seja no campo fiscal ou no na simples solidariedade comunitária.
Neste mundo louco, a RAM navega como uma folha num rio turbulento. Se os grandes poderes fáticos deste Mundo engavetaram as ideologias e vestiram o fato de macaco, não devemos ser nós a embarcar em derivas ideológicas que nos distanciam do essencial, o bem-estar dos nossos. Deve ser assim no campo fiscal, no campo das alterações climáticas e ambiente e na relação do Estado-Região com a sociedade civil. Urge criar uma sociedade mais resiliente e informada, economicamente mais próspera e culturalmente mais diversa, mais solidária com os nossos cá e lá fora. Urge criar um espírito de corpo do ser madeirense alicerçado na potenciação do que é nosso e por nós produzido. Precisamos fazer ver que não somos um povo de mão estendida, mas sim um povo atento ao Mundo, astuto e perspicaz. Não nos podemos dar ao luxo de ir em modas nem precisamos importar problemas que são pouco nossos, olhemos para este Mundo em convulsão e tiremos proveito das oportunidades que se apresentam sem espartilhos ideológicos, mais ou menos convictos, nem espíritos de missão desfocados da promoção do bem-estar coletivo do povo madeirense. Precisamos traçar um rumo onde todas forças se alinhem em oposição a uma navegação à vista e costeira.
Os nossos vizinhos nos Açores já trilham algum caminho neste sentido. A aposta no mar e na promoção da sustentabilidade nos seus destinos turísticos é hoje hegemónica na sociedade açoriana. Mal ou bem, eles foram capazes de acordar um rumo e torná-lo consensual e quando assim é, os proveitos desse caminho são mais frutíferos. Cá, divergimos sobre a função e orgânica do CINM, sobre o nosso regime fiscal próprio ou não, sobre o rumo do nosso turismo, sobre a nossa aposta na economia azul ou não, sobre o nosso modelo de investimento público, sobre os regimes de concessões, etc.
Termino este texto apelando ao bom senso de todos nós. Ao bom senso de acordarmos naquilo que é essencial para a prosperidade deste território e ao necessário esforço para a procura de um chão comum para o nosso desenvolvimento. Se formos ver com cuidado, os caminhos a escolher são poucos, só há um Mundo, um sistema financeiro e uma humanidade, resta saber dançar o tango do momento.

3 comentários:

Anónimo disse...

Duas perguntas.

1- O que é que a China tem de comunista nos dias de hoje?

2- Em que é que os Açores têm uma política do mar definida e hegemónica?

Anónimo disse...

Tanta análise política (copiada de onde?) e nem consegue olhar para lá do fogo-fátuo e show-off que é a política do mar nos Açores, onde nem um Observatório do Mar, totalmente apoiado pela Republica,ou um ordenamento do espaço marítimo foram capazes de sequer iniciar. Compreende-se, facilmente, porque razão este senhor, por onde passe, saia sempre, pouco depois, com fama de incompetente.

Ricardo Menezes disse...

caro anónimo das 11:54: https://www.investinazores.com/index.php/pt/porque-acores/economia-do-mar - e mais não digo porque se for minimamente perspicaz reparará que este link destroi a sua presunção. Sobre a sua tentativa de assassínio profissional, completamente ao lado meu caro. Pode me acusar de muita coisa, mas de incompetência é difícil.