Rumos
Ricardo Meneses Freitas
Ainda estará tilintando na cabeça
do nosso povo a enxurrada ideológica incutida nos três atos eleitorais deste
concorrido ano. O cardápio ideológico apresentado nunca foi tão extenso, e tão
divisivo, roçando um espírito de convulsão ideológica mais coadunante com os
idos anos 60, ou com os turbulentos anos 20, do século passado.
A pés juntos
juraram-se água e azeite, socialistas e sociais-democratas, liberais e
comunistas, nacionalistas conservadores e progressistas, enfim, fomos todos bem
compartimentados ideologicamente não fossemos todos nós julgar que de fundo, há
pouco, se não nada, a mudar no núcleo do funcionamento do nosso regime
democrático.
Na verdade, a verdadeira luta ideológica morreu com a queda
do muro de Berlim e com o implodir da economia controlada pelo estado. Hoje é
claríssimo que existe só um sistema económico em funcionamento no Mundo e que
as derivas ideológicas de hoje não são mais que abordagens, mais ou menos
díspares, ao posicionamento perante esse sistema, mas sempre assentes numa
perspetiva muito mais pragmática do que ideológica.
Olhemos para aquele que é considerado o último bastião
comunista do Mundo, a China. Nesta passada semana fez notícia o terrível caso
de um camião frigorífico onde pereceram 39 nacionais chineses que procuravam
uma vida melhor no Reino Unido. Hoje faz notícia a ultrapassagem da China aos
EUA no número de cidadãos nos 10% mis ricos do Mundo. A China apresenta agora
100 milhões de cidadãos nestas condições contra 99 milhões dos EUA. Não sei se
o caixão de Mao Tsé-Tsung tem espaço suficiente para as voltas que o mesmo
quererá dar, ou se o embalsamento de Lenine o impede de se levantar e iniciar
uma nova revolução bolchevique. De facto, os bastiões da alternativa ideológica
tornaram-se, em algumas décadas, no pináculo daquilo que estes países outrora
juraram lutar. A China, tal como a Rússia, são hoje o paraíso capitalista onde
a desigualdade não é tão só notória, como escandalosamente podre e injusta.
Muitas vezes fomos avisados contra a venezuelazação do
Estado e da RAM que se esconderia nas entrelinhas dos projetos políticos do BE
e do PCP, mas de facto, algumas das coisas defendidas por estes partidos fazem
escola em círculos políticos tão distantes do caso venezuelano como o são o
Partido Democrata dos EUA (taxação da riqueza), ou o sistema de ensino
finlandês (totalmente público). Não caro leitor, a Venezuela é, infelizmente,
um estado gerido por criminosos e o sucessor do narco-estado da Colômbia. O que
se passa lá não é ideológico, tal como no Partido Comunista Chinês ou na
autocracia mal disfarçada do Kremlin, o que existe são projetos de poder
travestidos de ideologia.
O mundo está virado do avesso. A América de Trump virou as
costas ao seu grande legado, o mercado livre, e a China luta ferozmente pela
manutenção do mesmo perante um olhar incrédulo de organizações como a
Organização Mundial de Comércio. Sim, a China luta pela liberalização do
comércio mundial enquanto os EUA remam em sentido contrário pervertendo o
sentido da lógica comercial por uma lógica estatal de equilíbrios comerciais.
Com um olhar mais atento, diria que a China rema à direita, com um sistema
político de esquerda, e os EUA remam à esquerda com um partido de direita. Caro
leitor eu já troquei as mãos e não sei o que é esquerda ou direita. No Reino
Unido, o Torie Boris pretende remar mais à direita do que a China,
liberalizando e desregulando os mercados financeiros e para tal conta com o
amigo republicano Trump, cuja atuação tem sido exatamente no sentido contrário.
Fazemos todos nós melhor se não nos concentrarmos muito nas siglas e atentarmos
mais à praxis, por mais louca e incômoda que ela se revele.
Nisto tudo, alguns meios académicos gritam que a
desigualdade atinge níveis só registados no tempo do feudalismo. Na França e no
Chile, a corda está esticada ao ponto de quebrar e os anúncios de aumentos no
combustível e eletricidade despoletaram movimentos civis de protesto que poucos
imaginavam. As alterações climáticas vieram na altura errada e propõem-se a ser
o motor para a tempestade perfeita na medida que a mesma promoverá ainda mais
as desigualdades. Muito dificilmente se conseguirá promover uma adaptação
socialmente justa num sistema mundial onde os que mais têm são os que mais
capacidade têm para fugir às suas responsabilidades sociais, seja no campo
fiscal ou no na simples solidariedade comunitária.
Neste mundo louco, a RAM navega como uma folha num rio
turbulento. Se os grandes poderes fáticos deste Mundo engavetaram as ideologias
e vestiram o fato de macaco, não devemos ser nós a embarcar em derivas
ideológicas que nos distanciam do essencial, o bem-estar dos nossos. Deve ser
assim no campo fiscal, no campo das alterações climáticas e ambiente e na
relação do Estado-Região com a sociedade civil. Urge criar uma sociedade mais
resiliente e informada, economicamente mais próspera e culturalmente mais
diversa, mais solidária com os nossos cá e lá fora. Urge criar um espírito de
corpo do ser madeirense alicerçado na potenciação do que é nosso e por
nós produzido. Precisamos fazer ver que não somos um povo de mão estendida, mas
sim um povo atento ao Mundo, astuto e perspicaz. Não nos podemos dar ao luxo de
ir em modas nem precisamos importar problemas que são pouco nossos, olhemos
para este Mundo em convulsão e tiremos proveito das oportunidades que se
apresentam sem espartilhos ideológicos, mais ou menos convictos, nem espíritos
de missão desfocados da promoção do bem-estar coletivo do povo madeirense. Precisamos
traçar um rumo onde todas forças se alinhem em oposição a uma navegação à vista
e costeira.
Os nossos vizinhos nos Açores já trilham algum caminho neste
sentido. A aposta no mar e na promoção da sustentabilidade nos seus destinos
turísticos é hoje hegemónica na sociedade açoriana. Mal ou bem, eles foram
capazes de acordar um rumo e torná-lo consensual e quando assim é, os proveitos
desse caminho são mais frutíferos. Cá, divergimos sobre a função e orgânica do
CINM, sobre o nosso regime fiscal próprio ou não, sobre o rumo do nosso
turismo, sobre a nossa aposta na economia azul ou não, sobre o nosso modelo de
investimento público, sobre os regimes de concessões, etc.
Termino este texto apelando ao bom senso de todos nós. Ao
bom senso de acordarmos naquilo que é essencial para a prosperidade deste
território e ao necessário esforço para a procura de um chão comum para o nosso
desenvolvimento. Se formos ver com cuidado, os caminhos a escolher são poucos,
só há um Mundo, um sistema financeiro e uma humanidade, resta saber dançar o
tango do momento.
3 comentários:
Duas perguntas.
1- O que é que a China tem de comunista nos dias de hoje?
2- Em que é que os Açores têm uma política do mar definida e hegemónica?
Tanta análise política (copiada de onde?) e nem consegue olhar para lá do fogo-fátuo e show-off que é a política do mar nos Açores, onde nem um Observatório do Mar, totalmente apoiado pela Republica,ou um ordenamento do espaço marítimo foram capazes de sequer iniciar. Compreende-se, facilmente, porque razão este senhor, por onde passe, saia sempre, pouco depois, com fama de incompetente.
caro anónimo das 11:54: https://www.investinazores.com/index.php/pt/porque-acores/economia-do-mar - e mais não digo porque se for minimamente perspicaz reparará que este link destroi a sua presunção. Sobre a sua tentativa de assassínio profissional, completamente ao lado meu caro. Pode me acusar de muita coisa, mas de incompetência é difícil.
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