O PAU-DE-CABELEIRA

Gil Canha

Antes do 25 de Abril, os pais mais conservadores não deixavam as suas filhas namorar sem uma espécie de vigia, que acompanhava os namoradinhos para todo o lado, o chamado “pau-de-cabeleira”. Esse papel de espécie de guardião da moral e dos bons costumes, era normalmente desempenhado por um irmão ou irmã mais novos da moça, que recebiam ordens muito rígidas dos progenitores para nunca perderem de vista o par de pombinhos.

Quando a coisa apertava, e as carnes excitadas chamavam os indefesos seres para a retoiça endiabrada do amor, o pau-de-cabeleira atuava, fazendo baixar a temperatura do casal, como um verdadeiro “termostato” de camião. E bastava uma tosse fingida, uma pequena cotovelada, uma ameaça de chibar a coisa à mamã, para o casalinho voltar ao romantismo tradicional, de juras de amor eterno acompanhadas por uma retirada estratégica da mãozinha atrevida de determinados centros nevrálgicos, para latitudes mais respeitáveis, em conformidade com os veneráveis ditames da decência e do decoro.

O pior, mesmo assim, era a ida ao cinema. Enquanto num passeio ao campo, o Pau-de-cabeleira podia ser ludibriado facilmente com um voo dum francelho ou com uma rã assustada a saltar para uma poça, aproveitando o casalinho a distração bucólica do cabeleira, para se escapar para trás de uma moita, e assim dar largas a marotices perigosas, que muitas vezes acabavam com o pau-de-cabeleira a correr atrás do prejuízo… com a noiva grávida no altar, de branco e imaculada, sob o olhar resignado dos papás.    

No cinema, e como referi, normalmente não havia escapatória, e então, se o filme não era do agrado do pau-de-cabeleira, caía sobre o casal um olhar fixo, muito semelhante aos suricatas da savana africana, quando vigiam fixamente na planura os predadores. 

E o mais engraçado é que voltei a ver na Assembleia Legislativa da RAM uma reminiscência antiquada e cinzenta dum verdadeiro pau-de-cabeleira. Foi durante a votação de um voto de protesto que apresentei ontem no parlamento regional contra a vergonhosa cartelização e concertação de preços no transporte de mercadorias para a Madeira, que o tal pau-de-cabeleira se manifestou, com toda a sua carga censória de desmancha-prazeres e de espia reacionário, contratado pelos “papás” do Largo dos Varadouros, para vigiar de perto o desgraçado do Rui Barreto, líder do CDS.

Esse pau-de-cabeleira sem vergonha, a cheirar a vinagre azedo e a mofo de anos e anos de oportunismo saloio, de cata-vento, maria-vai-com-as-outras, de camaleão especialista em mudar de cor conforme os ambientes políticos, ora um dia com os cabreiros na serra, ora outro dia com a cafofada, mas sempre obedecendo às ordens dos seus ricos “progenitores” da estiva, que o mandam vigiar o pobre do Barreto - se ele entrelaça ou toca nas partes proibidas da sua noiva CDS/Madeira, se lhe apalpa os seios intumescidos de leite azedo da teta do Caniçal, ou se toca na velha rata centrista, cheia de odores pestilentos de eterna danação promíscua de serralho turco, atafulhada de vícios e corruptelas, de anos e anos de falsa oposição “rodrigada”. O pau-de-cabeleira começa logo a rondar e a dissuadir amavelmente o Barreto (segundo Vizcaino Casas, os vira-casacas são muito simpáticos e amáveis), para este não tocar nas partes mais íntimas da “moça” centrista.

E o meu amigo Rui Barreto que gostaria de “brincar” com a sua “noiva” matulona, namorar à vontade, apertá-la nos braços como fez Clark Gable a Vivien Leigh, no filme “E tudo o vento levou”, ou mesmo, passar a cenas mais ousadas e irreverentes como no “Último tango em Paris” de Bertolucci, não pode, porque tem sempre o tal emplastro atrás, a vigiar e a ordenar tudo, como a velha dominadora Bernarda Alba, de Garcia Lorca.

Deste modo, ou Rui Barreto finta o seu pau-de-cabeleira e se rende ao amor livre com o seu amado partido, levando-o à vitória e à modernidade, ou então, vai acabar os seus dias políticos, a cheirar a sacristia, a bolas de naftalina, a jogos de casino, e amarrado aos grupos económicos, como um Prometeu acorrentado, expondo o seu fígado ao apetite das aves de rapina para toda a eternidade.   

E foi assim que o meu voto contra a ladroagem foi chumbado, não só pelo PSD (esses apesar de 'encornados' pelos patrões da estiva, continuam nesciamente a defendê-los) mas também pelo CDS, que estava debaixo-do-olho e sob a vigilância implacável do JMR, mais conhecido pelo pau-de-cabeleira do CDS.