O QUE PREOCUPA OS TRABALHADORES
Sempre que se fala numa greve geral, volta-me à baila uma cena caricata que remonta aos idos oitentas do século passado: Cavaco Silva mastigando o seu croissant bem acompanhado pelo café quentinho, manhã cedo numa esplanada do Porto, para demonstrar perante as câmaras de TV que a greve desse dia de Março de 1988 em Portugal não era geral, uma vez que tomava um pequeno almoço acabadinho de confeccionar por trabalhadores portugueses.
A família Cavaco liga-se a imagens gastronómicas tão grotescas e bizarras como a do político das economias a subir coqueiros quando de visita aos Palops. Foi a grosseria da mastigada do bolo rei com declarações de boca cheia, foi o horror de Maria Cavaco na Calheta, Madeira, perante a carne vermelha de uma espetada mal passada, a pingar e a pingar. Mas o tema de hoje bem distante está de tratar da etiqueta.
Se, enquanto primeiro-ministro, Cavaco enfrentou os trabalhadores naquela greve de 1988, luta que uniu a CGTP e a UGT, hoje como Presidente da República analisa certamente a questão com outros olhos. Apesar disso, a sua imagem perante a opinião pública piorou.
Tanto em 1988 como hoje, o PSD é poder - no Continente e na Madeira. E se Portugal vivia mal em finais daquela década, 24 anos depois a situação agravou-se, em muitos capítulos da vida colectiva. A inflação baixou de 9 para uns 2%. Mas o défice público duplicou e o desemprego também.
Nessa altura, as classes trabalhadoras protestavam contra um novo pacote de medidas laborais particularmente perigosas. Hoje, as preocupações avolumaram-se por causa de medidas ainda mais preocupantes saídas da governação coligada PSD-PP liderada pelo social-democrata Pedro Passos Coelho:
- desgulamentação dos horários dos trabalhadores em nome da viabilização das empresas;
- fim de alguns feriados e redução das férias implicando a extinção próxima de 100 mil postos de trabalho;
- despedimentos facilitados pelo alargamento do critério da justa causa e diminuição das indemnizações;
- ainda mais precariedade;
- redução de pagamento do trabalho extra e eliminação do descanso que o deveria compensar;
- adeus progressivo à contratação colectiva, deixando cada trabalhador a tratar da sua vida, isoladamente
Há razões para a greve na Madeira?
Apanhando por arrastamento com as dificuldades nacionais, mas sobretudo em função do descalabro da política económico-financeira regional, os trabalhadores madeirenses vêem a sua situação duplamente agravada. O desemprego vai nos 22 mil casos. O custo de vida sobe, os ordenados baixam. A pobreza alastra de modo assustador. Há razões para uma greve geral na Madeira?
Claro que há. E há todas as razões para denunciar o patronato que usa o estado económico crítico para explorar e sanear quem trabalha.
Mas tudo depende do momento. Para quem governa, greve é sabotagem da economia; e para quem está na oposição, greve é um direito inalienável dos trabalhadores.
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