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sábado, 17 de março de 2012

ODEIO CADA 16 DE MARÇO

Passou nesta sexta-feira o 38.º aniversário do 16 de Março. Pouco se falou dele. Da minha parte, lembrei-me desse dia remoto de 1974. Sem querer, associei-o àquilo que presentemente se vive na Madeira: em cada alvorada renasce uma esperança para morrer sem chegar a desabrochar. 
A esperança efémera passou pelo CISMI, Tavira.

No 16 de Março de 1974, arautos nervosos chegaram de madrugada à messe de oficiais, convocando ruidosamente toda a gente para o quartel porque tinha sido decretada prevenção imediata à conta de um movimento revolucionário qualquer. Sobressaltei-me, zonzo, ainda cheio de vapores desagradáveis. Vinha de uma das habituais noitadas de sexta para sábado, com muita viola, declamação e cerveja, dentro do bar do amigo Cristóvão, na margem esquerda do Gilão. Como sempre, a derradeira cerveja, para a estrada, aquele interminável balde, resistiu para aí uma hora. A malta bebia, bebia, esforçava-se em cada trago, inclinando o vaso na mesa, mas o líquido não descia mais do que um milímetro em cada investida. Do mal o menos, desta vez o fim-de-semana chegava sem qualquer serviço marcado para o gabinete de oficial de dia ou para polícia militar de ronda. Era tempo de dormir sem formaturas às oito, aulas com o pelotão formado em 'U' na Atalaia ou cross transpirado a caminho das Cabanas.
Depois de seis meses de recruta e especialidade em Mafra, já ia na segunda instrução militar a futuros cabos/furriéis milicianos no CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira, fascinante cidade do sotavento algarvio de que ainda hoje guardo um bocadinho na memória.
Movimento revolucionário?! Toca a vestir a farda n.º 3, quico na cabeça, se as botas não estão bem engraxadas que se lixe, é correr pelo caminho curto até ao quartel, alimentando a esperança de que o sonho finalmente se torne realidade. Um desfilar de recordações cortando o vento matinal - as lutas estudantis em Lisboa, as RGA's com o Ferro Rodrigues e o Graça, em Económicas, o tiro mortal no Ribeiro Santos, as cargas da polícia de choque no anfiteatro e na cantina, o curso inacabado, a chamada para o COM em Mafra, as conversas subversivas do açoriano Furtado nos Quatro Caminhos, o estilo desafiador do tripeiro Falcão nas suas "agressões" anti-colonialistas e os respectivos avisos do capitão Salavessa... e agora Marcello, a Pide e a censura estão finalmente a cair?
Zonzo da cabeça, que dia é hoje?!
Entrei cheio de esperança à porta de armas, em busca do meu pelotão da 1.ª Companhia. Ao atravessar a parada rumo ao portão sul, emocionei-me ao ver a emoção dos meus camaradas aspirantes que partilhavam do mesmo sonho.
Era sábado, 16 de Março de 1974.
À noite, voltámos ao bar do Cristóvão. O trovador deixou a viola empinada contra uma esquina da sala. Um vazio sem baladas. Os baldes da cerveja entraram mais cedo em cena. Portugal, julgámos, teria de esperar mais 48 anos.
Hoje assaltam-me as mesmas sensações, ao respirar a Madeira resignada. Sobretudo no 16 de Março. Odeio cada 16 de Março que passa.

(Imagem Google)

2 comentários:

jorge figueira disse...

Mas foi a gota que fez transbordar o copo. Talvez também, para o bem e para o mal, o descontrolo do poder moribundo...

Luís Calisto disse...

Tem razão, o 16 de Março foi um bom sinal. Simplesmente, o fracasso por falta de adesão à iniciativa da tropa das Caldas faz-me lembrar qualquer coisa...
LCalisto