O Exterminador (Parte I)
O ex-ditador da Madeira ainda estrebucha lá por "Cuba" e o liberal Passos Coelho vai aturando a peça, para não ser chamado exótico, se não coisa pior. O homem das bananas não se acanha quando se trata de meter na ordem os "maricas de Lisboa" e até os que por cá "arriam as calças de rabo voltado para a capital". E lá se passeia o fantasma das Angústias por aqueles corredores do congresso laranja, ouvido por quem o troça pelas costas e assediado por montões de câmaras de televisão e micros de jornalistas ávidos de mais uma bojarda, sempre original.Há uma certa novidade nisto: "rei das Angústias" esgotou o primeiro filme e entrega-se nesta fase ao final de rodagem da segunda parte do "Exterminador". Parece que não ficará "pedra sobre pedra" nesta desgraçada Madeira.
Ele pairou sobre os ruidosos acontecimentos que se desenrolavam na Madeira, uma vez saneado de professor da Escola Industrial do Funchal durante o PREC em consequência da sua militância ao serviço do regime salazar-marcellista, então recém-deposto.
Incentivando subrepticiamente o clima de terrorismo instalado a pretexto do combate à escalada comunista no Continente, ele beneficiou da incerteza e da insegurança no Arquipélago para saltar de facção para facção, todas elas de pendor conservador, até poisar no PPD que António Gil implantara na Madeira, por incumbência de Sá Carneiro e Pinto Balsemão.
Para não se comprometer numa época de mil perigos, fez avançar à cabeça do partido laranja, nas primeiras eleições regionais, o eng.º Ornelas Camacho, que assim se tornou no primeiro presidente do Governo Regional, em 1976.
Escassos dois anos depois, organizou com Jaime Ramos um golpe tipicamente palaciano, derrubando aquele que se arriscara numa altura em que ninguém previa o sentimento do eleitorado. Em 1978, o representante do velho regime açambarcava a presidência do governo, por derrube de um companheiro de partido.
Matando o antecessor
Delineou friamente então sua excelência o extermínio da primeira equipa de governo, a de Ornelas Camacho, mantendo apenas um secretário, Bazenga Marques, entre os seus escolhidos para o elenco 1980-84: Miguel de Sousa, Rui Fontes, Brazão de Castro, Miguel Mendonça e Caldas de Oliveira. Maioritariamente muito jovens, sem ameaça de sombras para o chefe.
E dá-se início à verdadeira política de extermínio concebida para varrer e queimar tudo à volta do ditador em germinação, que para neutralizar receios entre os democratas anunciou, por altura da tomada de posse em Novembro de 1980, que se retiraria definitivamente da política no final do mandato.
Pelo caminho, aniquilou a imagem do seu antecessor na presidência, de modo a varrê-lo da História e passar a imagem de que foi o primeiro presidente. Em 1978, ao assaltar o cargo, despromoveu o eng.º Ornelas Camacho para seu subalterno, cometendo a suprema deselegância de o colocar em secretário do Equipamento Social. Não satisfeito, despromoveu-o ainda mais algum tempo depois, para director regional do saneamento básico.
Arrancou então o projecto de extirpar o povo da sua identidade e da sua vontade própria, o que se tornou possível através de uma política de governamentalização voraz e desenfreada.
Tudo passou a depender do governo, isto é, da vontade em cada momento do cacique regional acantonado então numa sala da antiga Junta Geral, Avenida Zarco, enquanto mandava fazer obras na Quinta das Angústias - nome que também exterminaria para o substituir por Quinta Vigia. Enfim, demarcar o terreno da "Madeira Nova".
"Jornal da Madeira" também exterminado
O "Jornal da Madeira", onde ele fora colocado como director pelo bispo Francisco Santana com a missão de fazer, não jornalismo, mas política partidária do mais conservador possível para travar o avanço democrático, veio a cair nas mãos do chefe do governo. Como? Através da dependência financeira. Depois de 50 anos de vida independente e auto-suficiente, o verdadeiro JM foi exterminado para se transformar paulatinamentre, pela mão do ditador, naquilo que os madeirenses conhecem hoje.
Mas a mesmíssima política foi aplicada em todos os sectores da vida madeirense.
A máquina pública dos administrativos foi posta completa a avassaladoramente ao serviço do partido e do chefe. Todas as famílias se viram ligadas ao emprego oficioso e dele dependentes. O chefe conseguia friamente aniquilar a vontade e o pensamento próprio de cada um e de todos.
Os clubes desportivos foram exterminados na sua essência, nas suas raízes populares e associativas, para depender, em absoluto, de sua excelência, o entretanto consagrado "rei das Angústias", sufragado de quatro em quatro anos por um eleitorado desprovido de vontade própria.
As regionalizações de serviços sucediam-se com o único objectivo de multiplicar os poderes do chefe, portanto sem qualquer plano de sustentabilidade.
O ditador arrasou os ancestrais sentimentos autonómicos de gerações e gerações de madeirenses, erradicando a pouca autonomia existente para a substituir pela autonomia do chefe.
A Igreja foi comprada pelos subsídios atribuídos pelo rei devorador, à custa dos sacrifícios do contribuinte.
Os tentáculos tomaram conta de todo o Arquipélago. Os homens de mão do partido laranja encarregavam-se de levar à prática nas suas aldeias a política dominadora. Não raro foram os presidentes de câmara que ocuparam simultaneamente a direcção dos clubes, das bandas, dos bombeiros e até de ranchos folclóricos locais. Os subsídios tinham uma só cor e a marginalização castigava quem se atrevesse a pensar diferente lá no burgo.
Lâmpadas e torneiras foram espalhadas por sítios e morros, com o chefe e seu aparelho apresentando os melhoramentos, então já vulgares por esse mundo fora, como especial dádiva do chefe divino.
Alimentando os cofres amigos da "Madeira Nova"
O exterminador desfez fria e cruelmente a Madeira encantada. Alimentando cofres de amigos metidos na construção, cobriu o nosso verde paisagístico e a beleza da capital e das freguesias rurais com impiedosas e densas camadas de betão, de que não se livrarão tão cedo as gerações futuras.
Para isso, aplicou rios de dinheiro enviados por Lisboa e sobretudo pela Europa, mas ao mesmo tempo empenhando fatalmente a Madeira nas suas co-responsabilidades com um desenvolvimentismo alucinado e absolutamente irresponsável.
Para se perpetuar no poder, o exterminador arrasou tudo à sua volta. Mal surgia um rosto novo nas linhas da oposição, as adjectivações mais ordinárias para destruir a imagem do candidato, a que não escapavam os seus familiares, acabavam por ditar o seu auto-afastamento. Isso aconteceu com centenas de políticos promissores e bem intencionados, invariavelmente apelidados de incompetentes, comunistas, fascistas, desclassificados e, quando isso não chegasse, inimigos da água e do banho, bêbedos, drogados, oriundos de famílias duvidosas e por aí fora.
Mas a mesma receita aplicou-a várias vezes o "rei das Angústias" aos seus próprios correligionários que um dia resolviam questionar os caminhos da governação e do seu partido - como bem se recordam antigos social-democratas de Machico, Ribeira Brava, Porto Santo e Calheta e de que poderiam falar Egídio Pita e tantos outros se fossem vivos. E alguns da actualidade que preferiram sacrificar os seus princípios e as suas ideias próprias ao reluzente prato de lentilhas que o chefe lhes deixa na mesa.
E é ver-se o próprio partido PSD exterminado, esventrado de consistência, onde só há um dirigente, o chefe, e depois as marionetas que vão à Comissão Política dizer aquilo que o dono quer ouvir e ao Conselho Regional aprovar por unanimidade conclusões que ele, o rei, já leva escritas.
O extermínio atingiu, pois, o PSD-Madeira, mas o povo paga bem caro essa pacificação imobilista lá dentro, porque consiste na oferta de luxuosas benesses suportadas pelas contribuições do povo miserável.
O Exterminador (Parte II)
O mundo dá muita volta e eis que o ditador perdeu os meios faustosos de que dispôs nestes mais de 30 anos para se aproveitar de um povo invertebrado, com instinto egoísta, interesseiro e materialista. A crise internacional e nacional veio despir, pela necessidade de controlo financeiramente apertado, uma realidade escondida que incluía tremenda, perigosa e assustadora dívida regional, que, não fora certo perdão concedido pelo socialista Guterres, nos seus tempos de primeiro-ministro, muito mais apertado estaria hoje o nó da corda posta na garganta dos madeirenses.
Depois de ter propositadamente exterminado as relações com Lisboa, virando contra nós as vontades dos continentais, a quem o ditador da ilhota ofende e vilipendia desde sempre para alimentar a teoria do "inimigo externo, eis moribunda e sem esperanças a identidade madeirense pela qual tanto combateram os nossos antepassados, desde o século XIX. Tantos presos, tantas deportações no passado para vir agora um ditador de trazer por casa, beneficiando do interesseirismo destas últimas gerações, exterminar com estrondo e sem ponta de remorso. Só para que pudesse adormecer e acordar a bater no peito, desfrutando, "quem manda sou eu, quem manda sou eu!"
Mas ei-lo reduzido a farrapo da política, agarrado à cadeira das Angústias no delírio de um poder fictício. Obrigado a exterminar com as suas próprias mãos os monstros que criou para se aguentar no bichoso pedestal de barro.
Ei-lo a exterminar o orgulho da Madeira, rebaixando-se, no papel de chefe do governo, aos pés de forças externas. Eis o rei zulu na sua verdadeira versão grotesca deixando exterminar os barões da sua "Madeira Nova". O extermínio é total. Os que com ele coabitaram no governo e no partido perderam os medos e vilipendiam-no publicamente. O jardinismo cai mais depressa do que um castelo com as 52 cartas do baralho. O Idram, os clubes desportivos que passam a vergonha de não comparecer aos jogos por falta de dinheiro, estádios parados a meia construção, marinas abortadas, túneis e tabuleiros sem manutenção, construção civil parada e à espera dos pagamentos do governo.
O "fundador" do Banif cobrou bem
Extinguiu-se o tempo em que o chefe levantava, para loucas obras do governo, dinheiro a rodos das caixas do Banif. Fazia-o facilmente - vim a sabê-lo um dia destes - porque Horácio Roque, em vida, sempre cumpriu o que achava ser um dever de gratidão com o mandador da Madeira. Porque foi este cavalheiro das Angústias quem, através da sua influência junto da importante comunidade madeirense na África do Sul, viabilizou a transformação da Caixa Económica do Funchal em banco.Mas a gratidão está mais do que "paga" e o governo perdeu crédito ali, como na restante banca.
O exterminador luzeiro da "Madeira Nova", carrasco da nossa História, lagarteiro indissociável de um instinto narcísico e nero, vive a fase de exterminar os monstros gerados pelo extermínio daquela Madeira de que todos gostávamos e que levará gerações a reconstruir.
Vai fatalmente exterminar o JM oficioso que resultou do primeiro extermínio. Por falta de dinheiro público, definham também entidades ancestrais sobre as quais o ditador estendeu perversamente os tentáculos, de que Marítimo e Nacional são exemplos flagrantes.
Mas ainda não está satisfeito. Apesar dos pobres que decuplicaram na Madeira, apesar dos 22 mil desempregados, apesar dos sem abrigo a quem certos hotéis vêm cedendo refeições, porque o governo já de si morre de fome... Apesar do isolamento em que fez mergulhar a Madeira, apesar das dívidas que ele criou e que pesam sobre nós e sobre os futuros madeirenses, mesmo com todas essas, ele quer continuar a dizer, na pavonada do costume, e mesmo que ninguém lhe dê crédito, que ainda manda na tribo. Cavaco, Jaime Gama e agora Passos Coelho, neste congresso, alimentam a ilusão do troglodita das Angústias.
...E o povo, sem nervo nem vergonha, manhosamente dissimulado na cerração intelectual, enquanto vislumbrar uma nesga nos restos de feira de onde saia cheiro a carne de espeto, aposto que é capaz de lhe dar o voto, novamente.
Se faltar o pão é que tudo se transformará. Que esteja um avião na pista sempre de reactores ligados.
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