29 de Janeiro 2019

E a luz papal alumiou Avô Cantigas

Em boa hora, é um supor, o Presidente da República decidiu viajar até ao Panamá como um dos milhares de pequenos católicos que se deslocaram àquele país a fim de participarem na Jornada Mundial de Juventude.

A que propósito o nosso Avô Cantigas resolveu meter-se no avião, aterrar em Cabo Verde para levar consigo o mais alto magistrado da Praia e meter-se no meio de jovens, de terço na mão, a ver as andanças de Francisco? Sem dúvida que foi um chamamento do Criador.

Mais do que nunca, Marcelo deixou-se levar pela fé e pelo instinto cristão. Mereceu as três vezes em que beijou a mão ao Papa - tantas vezes quantas a que Pedro renegou Cristo antes de o galo cantar. Emocionou-se com o recato da sala. O cheiro a incenso penetrou-lhe nos pulmões e subiu à cabeça como uma 'passa' bem calibrada. Depois, o ânimo emergente da juventude a irradiar alegria por todos os poros. O clima modorrento da América Central. O exotismo da população aborígene, compaginado com a mensagem evangélica de Francisco. 

Se da outra vez se candidatou à liderança do PSD mesmo sem que Cristo descesse à Terra, condição que tinha colocado à comissão política nacional para ir a eleições internas, desta vez o Mestre de Nazaré estava ali, no corpo de Sua Santidade. As bandeiras amarelas do Vaticano, os cânticos celestes, as hosanas nas alturas, o fogo do pão e do vinho sagrados, o desejo incontrolável de abraçar a multidão e registar algumas selfies, a colecção de histórias reais para mais tarde escrever nos calhamaços de memórias, o voo do pensamento para o mundo que sofre, a projecção de milhões de almas de todo o mundo a seguir a magia do encontro papal.

Impelido por esta luz santificada, Marcelo cedeu a um arrebatamento que vinha de cima. Reconheceu que os pobres e os doentes do mundo inteiro merecem o sacrifício dos que recebem a dádiva da felicidade terrena. Vai daí, desenvencilhou-se da multidão, procurou os jornalistas portugueses, como sempre alapados à volta da especialista romana Aura Miguel, mandou ligar as câmaras de tv e pronunciou-se com recolhimento: "Vou-me candidatar ao segundo mandato." 

Em verdade vos digo, Leitores, que da minha parte dispensava o homem de novo quinquénio de trabalhos e agruras. O próprio rosto do Presidente não resiste a muito mais beijos de velhinhas. Pensando melhor, seria mais útil que Avô Cantigas se tivesse metido em mais uma viagem de camião em vez de ter optado por seguir o chamamento. Mas, para ser sincero, é neste ponto que me debato com uma pequena dúvida, provavelmente herética, metida nesta cabeça pela mão do mafarrico. Será que a peregrinação religiosa ao Panamá do antigo rei do maquiavelismo político em Portugal não levou consigo uma mentirinha que, a confirmar-se, arrasaria o texto que escrevi até aqui? Será que o Patriarcado de Lisboa ou mesmo o nosso Tolentino Mendonça, actual chefe dos alfarrábios do Vaticano, como diz o padre Martins da Ribeira Seca, não lhe sopraram a 'dica' de que, no Panamá, Francisco anunciaria Lisboa como cidade do próximo encontro mundial de Juventude, em 2022? Não foi por aí que Marcelo apanhou pretexto para falar na recandidatura? 

Pode ser reserva mental deste meu cérebro perverso, mas custa-me acreditar que Francisco se lembrasse de repente de Ronaldo e então anunciasse Lisboa. 
Se esta especulação tem algum fundamento, Marcelo vai passar uns tempos no purgatório antes de subir ao paraíso, quando morrer.

Já o Papa Francisco pode ir direitinho para o lado do seu primeiro antecessor, S. Pedro. Certamente já se arrependeu da contribuição que deu a Marcelo e o arrependimento é fundamental na amortização dos pecados.
Se estou a gerar uma tempestade num copo de água, inclino-me diante do Avô Cantigas com desculpas pela blasfémia.

Agora a propósito, não percebi a euforia da juventude portuguesa presente no Panamá, a festejar com bandeiras nacionais a escolha de Lisboa. Em 2022 não há passeio ao estrangeiro e fazem festa?

Moral da história: habemus Presidente para uma década, como uma das 10 pragas do Egipto.