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quinta-feira, 25 de abril de 2019





25 de Abril 2019



Salgueiro Maia ou Otelo?



 













Agora que os parceiros políticos nacionais e regionais com direito a discurso desfiaram ao longo do dia de hoje as suas alegrias e angústias sobre o 25 de Abril de 1974, deixem-me dizer que a pergunta não é: quem foi o herói da Revolução dos Cravos, Otelo ou Salgueiro Maia?
A pergunta deve ser: qual é a necessidade de levantar essa questão?
Os 'ministros' do espaço televisivo 'Governo Sombra' da TVI confrontaram com esse problema fictício o próprio Otelo Saraiva de Carvalho, convidado no último programa. 

Não o fizeram por acaso.
Como se sabe, os Portugueses festejaram no dia 25 de Abril de 1974 o fim da ditadura, do partido único, da polícia política, censura, colonialismo anacrónico. Os Portugueses respiraram na ocasião a promessa dos três Dês pelos quais tanto ansiaram durante décadas. Nos discursos comemorativos de hoje, encontrámos as duas atitudes habituais: os que festejam o Dia da Liberdade, em si mesmo; e os que participam nos festejos para dizer que Abril foi a caixa de pandora que soltou os diabos do comunismo, da descolonização suicida, das massificações e nacionalizações mais os outros demónios tão falados à direita.  
De facto, Otelo Saraiva de Carvalho não fez como o seu camarada Salgueiro Maia, que, uma vez entregue o Portugal livre ao povo, regressou ao quartel. Otelo quis continuar sob os holofotes da política, tentando liderar partidos, candidatando-se à Presidência da República, sendo acusado de alimentar a ferro e fogo um Verão Quente de 1975 durante o qual chegou a falar em fuzilamentos no Campo Pequeno e a assinar pelo Copcon mandatos de captura em branco. Isso enquanto o Partido Comunista tentava também proteger com uma muralha de aço os radicalismos do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Até que o quase confronto do 25 de Novembro acalmou as águas no País.
Mas sejamos um pouco justos. Quem foi que levou o processo de democratização a resvalar para os extremismos? Quem foi que tratou de emperrar a via progressista que o País reclamava organizando maiorias silenciosas logo a 28 de Setembro de 1974? Por que se esquecem os detractores do 25 de Abril da intentona (e não 'inventona') do 11 de Março, uma 'spinolada' para engatar na marcha-atrás o comboio da Revolução democrática? 
A propósito, Salgueiro Maia 'topou' rapidamente o sr. António Spínola logo que o velhote chegou ao Largo do Carmo naquele 25 de Abril com ares de ser o "dono da guerra" - palavras de Salgueiro -, uma "superioridade" como se tivesse algum mérito na queda do regime fascista. Afinal, tinha sido informado poucas horas antes do golpe, por iniciativa de Otelo - ou 'Óscar', o cérebro do Plano de Operações e das acções no terreno. A má impressão de Salgueiro Maia adensou-se poucas horas depois, já no Posto de Comando da Pontinha, onde Spínola, escolhido pelos capitães como presidente da Junta de Salvação Nacional, procurava impor as suas ideias para os momentos seguintes da Revolução. E de tal ordem foi a postura do homem do monóculo que Salgueiro Maia se recusou a comparecer à tomada de posse de Spínola - foi até o único militar operacional de Abril a fazê-lo.

Não teve outro objectivo se não amesquinhar o 25 de Abril em si próprio a campanha permanente dos reaccionários contra Otelo, verdadeiro símbolo da Revolução na sua preparação e no dia da vitória. No fundo, os 'reacças' o que pretendem é vingar-se de lhes terem tirado aquilo de que desfrutavam até 1974: o direito de coarctar a liberdade de expressão, de deter latifúndios, de dispor de carne para canhão na defesa dos seus interesses ultramarinos, os privilégios à sombra do seu partido único, uma polícia política para os proteger e uma polícia de choque para reprimir os insurrectos. 
É isso que certas pessoas não gostam no 25 de Abril de 1974. Odeiam.
E no entanto são as mesmas cabeças retrógradas que comemoram o 5 de Outubro sem se importar que os revolucionários de 1910 tenham depois descambado para uma I República destravada que meteu o assassinato de presidentes e noites de facas longas em profusão.
Senhores! O que nós hoje devemos celebrar - hoje 25 de Abril - é o fim do fascismo e da guerra colonial perdida, o extermínio da censura, a extinção da polícia política. É o programa dos três Dês que despontou no 25 de Abril.
Foi isto que se prometeu na alvorada libertadora, no Dia da Liberdade. Naquele 25 de Abril, o de 1974, ninguém falou em fundar uma ditadura de sinal contrário, em nacionalizar a banca, em cercar o parlamento, em mandados de captura em branco. Isso foi mais tarde, e porque a direita tudo fez para voltar ao 24.
Não há que perguntar quem foi o herói, se Otelo, se Salgueiro Maia, se Otelo e Salgueiro Maia. Quem engendrou o golpe foi Otelo. Salgueiro comandou parte da tropa no terreno. 
Depois, cada qual enveredou pelo seu caminho. Otelo sempre na quimera da "democracia directa". Salgueiro Maia de regresso à caserna. 
Os reaccionários utilizaram desde cedo o nome do operacional de Santarém para ofuscarem o prestígio de Otelo - para denegrir o 25 de Abril, em análise aprofundada. Aliás, depois deram a paga a Salgueiro Maia. Em 1988, o reacça Cavaco Silva, com poderes de primeiro-ministro, chumbou a atribuição de uma mísera pensão ao brioso militar de Abril que dominou Lisboa com a sua acção no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo. E o sr. Cavaco, troglodita que chegou alto na política beneficiando da acção corajosa dos militares de Abril, decidiu ignorar os méritos de Salgueiro Maia enquanto vergonhosamente viabilizava pensões a dois ex-inspectores da Pide!
A pensão acabou por ser atribuída a Salgueiro Maia, já no tempo de Guterres em primeiro-ministro. A título póstumo. Como a título póstumo aconteceria uma homenagem envergonhada que Cavaco Silva, já PR, promoveu ao mesmo Salgueiro Maia.
Que descaramento!
Uma última insistência: os reacças ainda irritados com o fim da ditadura em 1974 que o digam claramente. Não desviem o espírito original de Abril para as loucuras do Prec. Não atirem o 25 de Novembro contra o 25 de Abril - o de 1974. Não brinquem com as memórias dos revolucionários Otelo e Salgueiro, quando se está a falar do 25 de Abril - o de 1974.
Numa palavra: não sejam mentirosos, trapaceiros. Aprendam a gostar um pouco do 25 de Abril. Pelo menos o de 1974.

8 comentários:

Anónimo disse...

Otelo e Spinola, dois homens que combateram na Guiné.
Uma vez falei com Otelo na praia de Porto Santo.

O erro da Revolução de Abril foi não ter sido derramado suficientemente sangue. Deviam ter destruído a principal fonte de poder fascista: os magistrados... Não conseguiram perceber que não basta alterar a lei, é preciso alterar a interpretação da lei. Assim, o Estado continua a não ter que cumprir a lei como Marcelo Caetano defendia. Como é que poderiam não saber que a evolução cultural e de hábitos faz-se com a substituição de pessoas? Como poderiam não saber que a maneira mais fácil e eficaz de acabar com maus hábitos, é substituir as pessoas?
Este erro inacreditável dificilmente será repetido por alguma nação.
Não ligaram a Maquiavel: "para os amigos as benesses, para os inimigos a lei".
Não repararam no que Lenine e Estaline fizeram: destruiram a direção intermédia do Estado Russo.

As cicatrizes fazem com que certos erros não se repitam.

Anónimo disse...

Perfeito
Calisto, cada vez que o leio, nos seus artigos de opinião do seu blogue, mais o admiro.~Parabéns

Anónimo disse...

Ó das 22.51,
No teu raciocínio só falha uma coisa. É que quem fez o 25 de abril, foram pessoas da situação, motivados por questões meramente corporativas que diziam respeito a majores e capitães.
E com o sucesso alcançado, veio ao de cima toda a impreparação destes indivíduos, que deveriam ter feito como Salgueiro Maia e terem regressado aos quartéis, mas que motivados pelas luzes da ribalta deixaram-se levar pela deriva ideológica que estava preparada e organizada. Isto é, o PCP.
Aliás basta ver que foram buscar Spinola para chefiar o Estado.
No fundo foram umas marionetas entre 26 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975, num movimento que foi perdendo fulgor, conforme os seus membros íam percebendo o que se estava a passar.
Tiveram o seu momento de glória e não o souberam aproveitar. Depois ficaram a carpir mágoas, e todos os anos nesta data se apresentam como o repositório da liberdade e democracia.
Felizmente veio o 25 de novembro e Mário Soares teve o bom senso de meter ordem na coisa.

Anónimo disse...

Nunca vi uma exposição tão lúcida sobre o 25 de Abril com esta! Parabéns Luís Calisto!

Anónimo disse...

Estes capitãs, cada comissão de serviço no Ultramar, dava um galão no ombro
A guerra até podia ser ganha, mas as altas patentes tinham ali uma fonte de progressão na carreira
Claro que se mudassem a guerra para a metrópole, estavam debaixo dos lençóis mais quentinhos com as suas madames
Estas até tinham choffer e um soldado impedido para irem às compras
Só lhes faltava a tal coisa....

Anónimo disse...

Trabalha Português como negro para o Governo alimentar os Africanos de língua Portuguesa e de vez em quando darem-lhes coices de burro

Anónimo disse...

Anónimo das 11:10.
Não desminto "que quem fez o 25 de abril, foram pessoas da situação, motivados por questões meramente corporativas que diziam respeito a majores e capitães".
Se algum dos lideres desse levantamento armado tinha ou não um projecto político, não o posso dizer (porque uma coisa é o que se faz para conseguir a revolução, outra é o que se tenciona fazer depois). Se tinha um projecto, constata-se actualmente que era mau.

Imagine-se que todos tinham feito como Salgueiro Maia. Penso que o mais natural, teria sido a União Nacional por via de deter os cargos políticos manter o seu poder. Perderia Marcelo Caetano e Américo Tomás, mas na essência seria a UN a mandar.

Anónimo disse...

Não estou nada de acordo, ó das 06.54.
Os militares regressariam aos quartéis já com a liberdade conquistada e com as instituições a funcionar.
A União Nacional estaria extinta, novos partidos teriam surgido.
O excesso de ambição de protagonismo, de certos militares como Otelo, foi um prejuízo para a democracia e o seu normal funcionamento.
Felizmente o 25 de Novembro redirecionou o andar das coisas.