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domingo, 9 de fevereiro de 2020


Subordinação Hierárquica e politização da Função Pública

A subordinação hierárquica é o tema destes dias devido a uma Diretiva da Procuradora Geral da República que declara que “os pareceres dos Magistrado têm que seguir as instruções dos seus superiores hierárquicos”. O parágrafo em discussão parece-me ser o seguinte:
“Neste contexto, a emissão de uma instrução genérica, impondo a apreciação hierárquica, segundo critérios de legalidade e de objetividade, de determinado tipo de acusações em ordem à correção de eventuais deficiências técnicas antes da sua incorporação no processo ou impondo que a posição assumida pelo Ministério Público em sede de audiência de discussão e julgamento seja, de acordo com aqueles critérios, previamente concertada com a hierarquia ou que, entre as várias opções disponíveis, determine que seja seguida uma determinada conceção jurídica, nada tem de ilegal. Pelo contrário é o exercício normal dos poderes hierárquicos, a forma de resolver «as dissonâncias e os conflitos eventualmente subsistentes no interior da magistratura»”


Hobbes defendia que o topo da hierarquia, o rei, não tinha que cumprir coisíssima nenhuma, e podia impor tudo o que lhe desse na veneta… e com isso nasceu o absolutismo. Na Região, ainda hoje se encontra quem pense isso… no topo da hierarquia política.
Depois veio o Contrato Social de Rousseau em que defende que as relações de subordinação são alguns direitos cedidos com vista a uma compensação. Por isso, poucos são os que pensam que por terem um cargo de direção superior têm o direito de se meterem na vida privada dos seus subordinados hierárquicos. Na Região, também existem desses.
Em seguida vieram as fábricas e os poderes disciplinares em que, por forma a maximizar a eficiência do trabalho contratado, os trabalhadores tinham que executar as tarefas como o chefe manda, da maneira que ele queria, com os meios impostos e a um ritmo e sequência pré-determinados. Cedo se descobriu que esta forma de coordenação de tarefas é inadequada para a maioria dos trabalhos, como por exemplo, venda de bens ao público, ensino ou estudos/pareceres (científicos, técnicos ou jurídicos).
Atualmente, na maioria dos trabalhos existe um misto destas concepções do trabalho: há coisas que o chefe manda, há coisas em que ele não pode mandar, há normas a seguir e há situações em que o planeamento e a execução da tarefa ficam ao critério do trabalhador.
O caso em apreço é na função pública, mais especificamente uma função pública com um peso enorme na Economia de um Estado de Direito Democrático. 
Vamos deixar os políticos decidirem todos os processos (autorizações, licenciamentos, apoios, concursos públicos, procedimentos criminais, graduação de alunos no ensino público e exames, quem tem direito a tratamento médico, etc..)? Por mim, não! Na minha opinião, o “chefe “ do funcionário público é o cidadão, e o político um mero representante desse cidadão. O político é nomeado para gerir entidades orgânicas do Estado; para garantir um funcionamento eficiente e eficaz dessas organizações; para garantir que as leis são cumpridas; para proporcionar bons serviços aos cidadãos; para demitir os dirigentes que violam as leis… o político não está no cargo para mandar em coisíssima nenhuma. Se quer mandar, altere as leis a que os funcionários estão incumbidos de cumprir. O funcionário só tem que executar as tarefas no âmbito de competências orgânicas da unidade onde trabalha cumprindo com as normas técnico-jurídicas vigentes.

O Estatuto dos Magistrados do Ministério Público prevê que: “Os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de diretivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica” à exceção das emitidas pelo Procurador-Geral da República e que “o magistrado que tiver emitido a diretiva, ordem ou instrução pode avocar o procedimento ou distribuí-lo a outro magistrado” (artigo 100º da Lei 68/2019).
Logo, se a senhora Procuradora-Geral quer conduzir um determinado processo, avoque-o e faça o que bem entender... mas também não se esqueça que a responsabilidade passa a ser completamente sua. Mandar para depois outros assumirem a responsabilidade, caso a coisa corra mal é inadmissível.

A Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas prevê: “2 - Considerando ilegal a ordem ou instrução recebidas, o trabalhador faz expressamente menção desse facto ao reclamar ou ao pedir a sua transmissão ou confirmação por escrito.
3 - Quando a decisão da reclamação ou a transmissão ou confirmação da ordem ou instrução por escrito não tenham lugar dentro do tempo em que, sem prejuízo, o cumprimento destas possa ser demorado, o trabalhador comunica, também por escrito, ao seu imediato superior hierárquico, os termos exatos da ordem ou instrução recebidas e da reclamação ou do pedido formulados, bem como a não satisfação destes, executando seguidamente a ordem ou instrução.
4 - Quando a ordem ou instrução sejam dadas com menção de cumprimento imediato e sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2, a comunicação referida na parte final do número anterior é efetuada após a execução da ordem ou instrução.”
Logo, na função pública em geral, o superior hierárquico pode dar instruções, pode avocar o procedimento, e forçar o seu cumprimento desde que a instrução não seja completamente ilegal… mas disso tem que ficar registo escrito, para defesa do trabalhador.
Pelo Código do Procedimento Administrativo, o superior hierárquico não tem com que concordar com os pareceres emitidos pelos funcionários, podendo decidir de modo contrário. Se o dirigente não concorda, que decida como quiser e assuma a responsabilidade por essa decisão. (Esta situação faz-me lembrar o caso dos licenciamentos da Ponta do Sol, imagine-se que o presidente podia impor aos funcionários o conteúdo dos pareceres dos próprios funcionários. Se houvesse crime, quem é que estaria lixado?)

Houve um diretor que me transmitiu como queria que fosse feita uma perícia para o Tribunal. Respondi, “Eu é que fui nomeado perito. Eu é que decido!” Não lhe dei hipótese de se meter numa perícia em que a ré era uma entidade anteriormente por ele liderada. Obviamente, fiz isto porque sabia que há muito tempo que estava na “lista negra”: nada se ia alterar com esta resposta.
A história mais gira sobre este assunto envolve um júri de um concurso. O dirigente queria que um concurso público não fosse anulado. Um dos membros do júri respondeu: “Eu tiro um dia de férias, e tu como suplente do júri podes assinar aquilo que quiseres”. Obviamente, o dirigente recusou essa proposta.

Por pensar que a partidarização do Estado e do Governo Regional é grave dou crédito e elogio a coragem do entrevistado:

Eu, O Santo

2 comentários:

Anónimo disse...

Ohhh Gil de santo n tens nada.

Anónimo disse...

É a ditadura Xuxalista em acção, um dia esses fascistas hão-de cair.