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domingo, 4 de março de 2012

MADEIRA AO VIVO

Sr. Américo empreendedor
faz pontaria ao Domingo de Ramos

Falta quase um mês para o Domingo de Ramos, que calha dia 1 de Abril, uma semana antes do Domingo de Páscoa, mas o sr. Américo resolveu acelerar a produção de palmitos que os católicos procuram na quadra que se aproxima. Na manhã de hoje, o homem, sentado num dos bancos de pedra entre a Assembleia Legislativa e a TAP, manuseava galhos de palmeiras com uma destreza inacreditável para a sua idade respeitável.
Um jeitão para filigranar palmitos que faz pasmar.
"Estou a vender isto a 2 euros, sim senhor, e convém levar já o seu, porque mais próximo do Domingo de Ramos são 5 euros" - aviso do sr. Américo a quem parava para ver o seu trabalho já com poucos especialistas na Madeira. Há casas do povo a tentar manter a tradição e pouco mais.
O homem conversa sem parar de entrelaçar as folhas que vai lascando consoante a exigência do arranjo. Até formar um xadrez bem justificado, quadradinho a quadradinho. "Não estamos em condições de andar a perder tempo, temos de pensar e depois criar maneiras de ganhar a vida", diz ele, fixando os interlocutores com o seu comunicativo olhar azul.
Como vão as coisas, sr. Américo não se fica pelos palmitos dos Ramos, antes labora o ano inteiro para cobrir as vendas fracas com os dias de sorte. É que, fora da época religiosa, o produto serve para "bonitos arranjos florais sem fim". O artista espantava-se, quando o Savoy estava de pé: "Fui mesmo eu que fiz estes arranjos, há tanto tempo?!" E que arranjos, esses que se aguentaram mais de 20 anos em boas condições. O segredo é smples: mandar uma nuvem de laca para cima do palmito e ele nunca mais se degrada. Adorná-lo? Sim, com sprays de tintas coloridas daquelas que se usam em flores artificiais.
A crise afugenta potenciais clientes. A ver
se há milagre no Domingo de Ramos.
Para ganhar a vida, sr. Américo foi rebuscar aquilo que aprendeu em 1951, quando uma parte do actual Parque de Santa Catarina, que tinha servido de cemitério, o das Angústias, se transformara em vazadouro de lixeira e terras - e onde a tropa abria fogo como numa carreira de tiro. O nosso artista aprendeu então os truques exactamente com os militares que percebiam de palmitos.
Uma fatia boa de clientes seriam os turistas que diariamente chegam em paquetes de cruzeiro para visitar a Madeira. Seriam, mas não são. "Não posso vender isto para bordo, porque eles pensam que leva droga aqui", abana-se o sr. Américo. Sem turistas, resta o cliente madeirense, sobretudo o católico e na época dos Ramos.

Pecado a perdoar na Páscoa

O homem arranja o material de várias maneiras: oferecido, comprado... E, quando falha, é roubado, confessa ele. Ainda esta manhã, teve de utilizar dois transportes, um da Camacha às Neves, para se abastecer de ramos "na Quinta do Blandy", porque há sempre um modo de o fazer ali, mais outro transporte para a baixa do Funchal, onde montou atelier na Rua António José de Almeida, à frente dos deputados. Noutros dias, trabalha mesmo em frente à Sé e noutros ainda vai para a zona do Lido.
Palmeiras roubadas a utilizar em dia santificado? Bom, numa altura daquelas os céus perdoam pecadilhos que não fazem mal a ninguém. Mais perigoso é o fisco, se descobrir empresários do calibre do sr. Américo canicense que se desviam dos deveres estabelecidos pelas Finanças. Já chegam os outros empresários que ganham milhões sem pagar impostos e acabam sempre perdoados quando os governos simulam ganas de actuar impiedosamente.
No Savoy, antes da demolição, havia palmitos nas decorações saídos
destas mãos havia mais de 20 anos.

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