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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Carta a Pedro Calado




Prezado amigo 


Ao ouvir o seu discurso de posse como Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira, perante uma notável assembleia de ilustres personalidades, fiquei surpreso e desassossegado por ter feito uma citação do meu texto “Estética da abdicação”:
“Serei o que quiser.
Mas tenho de querer o que for,
o êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito.
Condições de Palácio tem qualquer terra larga,
mas onde estará o Palácio, se não o fizerem ali?”


Fiquei surpreso porque no “Livro do Desassossego” ¹ expresso as dúvidas que me desassossegavam a vida, pois nunca tive certezas nem fórmulas mágicas. Como tal, o texto “Estética da abdicação” é adequado à saída de cena do “Imperador que abdica de toda a vida normal”, mas nunca à tomada de posse de um imperador orgulhoso do seu “fardo de jóias”.

Desassossegado, porque a citação da “Estética da abdicação” não transmite aquilo que me provocou tanta dor ao escrever. Se o meu prezado amigo fizer uma leitura do texto completo, verá que escrevi “Agir, eis a inteligência verdadeira”, que parece traduzir o seu apelo à ação, mas também escrevi:
“Agir é repousar…
Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se.”

Peço desculpa pelo desassossego que estas ideias possam provocar ao meu prezado amigo, mas tal resulta do “meu orgulho lapidado por cegos e a minha desilusão pisada por mendigos”. Como já escrevi num poema "quero-te só para sonho ... Registo a memória com um sorriso, e nem o sorriso comento”.

Sim, o que escrevo tem muito de sonho, “o sonho comanda a vida”. Confesso que sempre fui um sonhador como o meu prezado amigo, mas a vida ensinou-me que “o sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas”.

Confesso, desassossegado, que partilho do pensamento do meu prezado amigo “Não estamos aqui por vaidades nem para vaidades. Não procuramos holofotes e muito menos horas gratuitas de afirmação” ². Na verdade, sinto que “o essencial da minha vida, como da minha alma, é não ser nunca protagonista”.

Em jeito de despedida, não posso deixar de desejar ao meu prezado amigo o maior êxito na construção de Palácios:
“Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido.
Por isso toda a vitória é uma grosseria.
Ao homem superiormente inteligente não resta hoje outro caminho que o da abdicação”.

Disponha sempre do seu amigo dedicado e comovido admirador,

A. Lima (em representação de Fernando Pessoa)

¹ Livro do Desassossego, Fernando Pessoa

9 comentários:

Anónimo disse...

Agora que o Calado nomeou para adjunto o encarregado da segurança de Cardoso Jardim, então é que o Renovadinhos nunca mais diz mal dos renovadinhos da renovação.

Anónimo disse...

Pedro Calado já disse que essa notícia não tem fundamento.
Veremos.

Anónimo disse...

19:02
Até ver! Virá certamente um menino da Autonomia XXI!

Anónimo disse...

Os meus parabéns ao autor deste texto! Muito bom! De grande qualidade! Bravo! Queremos mais!

Anónimo disse...

Por isso nunca leio autores portugueses pois idolatram o ser-se escravo. Desistir é vencer, conformar-se é vencer, ser imbecil é vencer, não viver é vencer, não agir é vencer (esta é que é mesmo boa, especialmente porque a ação aumenta o sentimento de potência e consequentemente aumenta o sentimento de felicidade).

A. Lima e que tal dares-me teu ordenado, a tua moradia, emprestares-me a mulher e as filhas para teres uma gloriosa Vitória? (conformas-te com menos!)
Eu até venho para o fénix do atlantico te honrar da maneira grandiosa que me venceste: "Sim, A. Lima é um grande vencedor. Foi homem de palavra e seguiu os conselhos do maravilhoso Fernando Pessoa"

Só não percebi uma coisa A. Lima porque é que fizeste esta publicação?
"Ao homem superiormente inteligente não resta hoje outro caminho que o da abdicação”?
“Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido"?
"Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se”?

Anónimo disse...

Senhor Calisto solicito os seus préstimos.
Gostaria que contactasse A. Lima para mais algumas publicações pois quero ser vencido pelas mulheres. Ele que publique mais citações do género:
"Ó tu mulher de altos altos dotes
submete-te ao homem orgulhoso,
e também ao humilde... e já agora a qualquer um...
Conforma-te com tua função venusiana.
A ídilica vitória do homem
faz seu instrumento de ataque desfalecer,
e sua Vontade desaparecer.
Submeter-se é vencer."

Anónimo disse...

Esta carta de A. Lima tem imensa piada, pois Schopenhauer alega que a alma é a Vontade de Viver.

Luís Calisto disse...

12.49
Caro comentador, isso das citações arrepia-me bastante. Já que falou em Schopenhauer, lembro que o apreciado filósofo, como sabe, tinha um azar de morte à classe dos eruditos, uns tais que passam a vida devorando calhamaços, a ler e a interiorizar as ideias dos outros, em vez de darem asas às suas ideias próprias, quando elas surgem. Pois eu acompanho Schopenhauer nesse aspecto, não para seguir a ideia dele mas porque, por acaso, como ele sou naturalmente alérgico ao 'seguidismo' também no campo das ideias.
Assim sendo, lamento mas fica prejudicada a sua pretensão.
PS - Sim, estou a referir-me a muitos eruditos da Tabanca.

Anónimo disse...

Já que estão numa de poesia sobre submissão envio a minha.
"Vêem me à memória aqueles ardentes anos
em que sentia a Força a extravasar de mim.
Que saudades daqueles cheios anos
em que interessava só o suor, a dor e o prazer.
Que bom foi sentir a imobilidade daqueles anos
que à minha Vontade se foram submeter"
Uma Pessoa