O regime do sr. Rodrigues

Gil Canha

Li no DN, uma entrevista ao Exmo. Senhor José Manuel Rodrigues, Presidente da Assembleia Legislativa da RAM, em que sua excelência diz que agora, no parlamento, a “discussão é mais elevada” e “mais calma do que as anteriores”, e que a “capacidade argumentativa” dos senhores deputados é “melhor”.  Aliás, o senhor Presidente até refere que, “com a saída do parlamento de alguns partidos mais radicais, as coisas seguem a melhor ritmo, com mais elevação e moderação”.

Ao ler isto, consigo vislumbrar o rubor cor-de-refogado de tomate-de-lagartixa estampado na cara do Sr. Presidente e a sua indisfarçável satisfação e vaidade em proferir estes elevados discursos de “Estado”. 

Mas, voltando ao discurso catita e redondinho do sr. Presidente (para melhor simplificação, vou tratar o sr. Presidente a partir da agora - por sr. Rodrigues) ele demonstra com esse palavreado rococó que tem cá um descaramento, uma desfaçatez política, um despudor de fazer arrancar dentes a uma hiena.

Trocando por miúdos, até parece que o sr. Rodrigues desceu imaculado dos céus, como um anjo alado, e aterrou em plena assembleia, convocado pelo arcanjo Albuquerque, para espalhar as boas maneiras e a elevação do discurso, num local outrora conhecido por covil de carroceiros e casa de loucos.

E antes de ligar a “frigideira”, tenho a dizer ao sr. Rodrigues que há uma observação sua que, apesar de um pouco intempestiva, tem absoluta razão: - a legislatura será “mais calma que as anteriores”! E será mais calma, porque o novo parlamento representa o pântano putrefato em que se transformou a política regional, onde quase todos os partidos ali representados estão tacitamente cosicados para não importunar os donos disto tudo nem agitarem as águas sujas do regime.

É por isso que o parlamento entrou numa pasmaceira, numa eterna sesta mexicana, onde nem os grupos parlamentares mais representativos esgotam o tempo regimental atribuído, talvez por falta de argumentos, por manhosice, ou desconhecimento das matérias em discussão. Tanto assim é que os membros do Governo, nas vésperas de irem ao parlamento, roíam as unhas de nervos. Agora vão para lá tão descontraidamente, como vão para uma inauguração do sr. Avelino ou para um cabeleireiro.

E claro, para um regime fundado na chantagem e em jogatinas de casino, onde se perdeu toda a vergonha e discrição no assalto aos tachos e aos cargos públicos; onde ninguém valoriza o mérito nem as capacidades individuais; onde nenhuma alma questiona nem agita; onde quem triunfa são os especialistas em lamber botas e a trepar pelos partidos acima, é normal que esse ambiente estagnado e pútrido tenha os seus reflexos no tal parlamento de “cordial elevação” do Sr. Rodrigues.

 Com a saída dos tais partidos “radicais”, é normal que as coisas sigam melhor para a “vidinha” dos Sousas, Avelinos e Pestanas. Aliás, o sr. Rodrigues, quando diz que as “coisas seguem melhor ritmo” tem a sua razão, pois ele sabe que ninguém lhe vai tocar nos seus amigos Sousas, nem ninguém lhe vai falar dos arranjinhos colaboracionistas que fez na Câmara do Cafôfo, em troca de tachos para familiares e outros favores.

O grego Tucídides, na sua famosa obra “A História da Guerra do Peloponeso”, diz que são três “os motores” da motivação humana:  a Honra, o Medo e o Interesse. A Honra, que é a conduta de vida mais difícil pois o sujeito fica devoto aos seus valores e aos seus códigos ético-morais, que o levam a praticar nobres ações, sempre em prol da comunidade a que pertence e nunca para si próprio, e cujo prémio, por vezes, é a glória e o reconhecimento dos seus. O Medo é quando uma pessoa age cautelosamente, sempre com receio que lhe aconteça algo a si, ou aos seus próximos, tornando as pessoas subservientes, dóceis e conformadas (todos os ditadores sabem os efeitos do medo nas massas, por isso o incutem, como fez Alberto João, e faz Kim Jong, na Coreia do Norte). E, finalmente, o Interesse, que é a conduta actualmente mais em moda, onde as pessoas só agem quando é em beneficio próprio, mesmo que tenham que passar por cima de outros ou utilizar as maquinações mais maquiavélicas para conseguirem os seus vis intentos.

Ora, a assembleia do Sr. Rodrigues e o governo que ela suporta foram engendrados e alicerçados em golpes partidários de alegados “independentes”, no logro de renovadores que afinal não o são, na troca de tachos, no compadrio, na chantagem “rodrigona”, e na total subserviência aos grandes grupos monopolistas que controlam a economia regional e que têm a maioria dos políticos no bolso. Grosso modo, o parlamento do Sr. Rodrigues não é bem o lugar onde se sentam os representantes do povo, é mais o lugar onde estão sentados os representados dos grandes INTERESSES instalados. 

O tal “casamento de conveniência” entre o CDS e o PPD, que o sr. Rodrigues diz que vai acabar em amor, nem é bem um casamento a dois, é mais uma “ménage à trois” com o PS/Madeira a meio, pois na realidade, os três representam na “cama regional” o Estado de putrefação a que isto chegou.