Powered By Blogger

quinta-feira, 22 de março de 2018



A INFORMAÇÃO TAMBÉM SE PROSTITUI 




Donato Macedo

Neste tempo de total relativismo cultural associado ao “nacional-porreirismo” que tanto anestesia as consciências cada vez mais acríticas, a informação jornalística teria um papel relevante, se não fosse ela própria algumas vezes, um cúmplice refém, que, por sobrevivência, ou agenda inconfessável, nem sempre cumpre o ideário de isenção, verdade, e em suma, não capitaliza a confiança da comunidade, sem ter de ser necessariamente, um contra-poder revolucionário. Não pretendo tomar a árvore pela floresta com generalizações injustas, e anátemas difusos, mas eu, enquanto leitor e subscritor pagante dalguns títulos, considero que é necessário algum desassossego que nos desperte - enquanto consumidores  exigentes de informação - pois, como qualquer negócio, há que ter um mercado que reconheça qualidade, que a exija e esteja disposto a pagá-la, sobretudo quando há um magote inesgotável de informação de fácil acesso.

Ainda há pouco tempo, o Funchal acolheu uns palestrantes convidados do exterior (o estigma do ilhéu-provinciano que convida gente de fora, é uma corrente de escravo que tarda a libertar os membros e sobretudo a mente), para falar sobre jornalismo e literatura subordinado ao tema «Jornalismo e Literatura a liberdade que prende e a palavra que liberta». Ora o jornalismo pode e deve ser uma palavra que liberta, contudo, há algum jornalismo "preso e amarrado" a vários pesos que o desvirtuam, que enfermam a comunidade, a sua capacidade de ter uma opinião, um juízo, um ponto de vista próprio, e a faculdade de questionar.
É claro que um público esclarecido e educado ajuda a que se tenha uma informação isenta, mas este é uma "pescadinha-de-rabo-na-boca", visto que público e informação, ajudam-se a formatar nos seus graus de exigência. Além de que o enorme manancial de informação disponível, não é sinónimo de conhecimento, (algo que normalmente esquecemos).
O mundo digital de acesso global e democratizado, fadiga qualquer público e relativiza aquilo que é importante ao acessório. O sentido crítico é entorpecido, ajudado pelos aspectos formais e ornamentais da informação, que tem hoje recursos inesgotáveis não só para criar falsos atractivos, como também para desviar atenções de eventos importantes porém incómodos, sejam sacudidos para debaixo do tapete, à espera que a correria do efémero consumo imediato, rapidamente os faça cair no esquecimento.
Os media tradicionais ressentem-se há muito da exiguidade dos anunciantes; do mundo digital "on-line" e das redes sociais. A publicidade institucional como os anúncios, suplementos, e parcerias com governos, autarquias e demais instituições pública, são um importante filão de receitas a que as administrações dos media não negam, e que a classe política sabe bem "tirar partido" disso. As redacções mais depauperadas e o jornalismo enfraquecido, corrói a democracia, porque a informação perde defesas, não sendo convenientemente filtrada, trabalhada, nem validada.
Quantas vezes observamos recolhas de depoimentos, imagens e demais conteúdos que se restringem à mera veiculação da mensagem, sem qualquer questão que não extravase a balizagem do tema, como se de uma conferência de imprensa se tratasse sem direito a perguntas?
Para regurgitar informação sem qualquer filtro, não é necessária a intermediação jornalística em jeito de pombo-correio, ou, um franco-atirador de palavras em lautas adocicadas para o seu amo; para o seu grupo tribal, ou para alavancar o político que jorra recursos públicos para o departamento comercial dum jornal. Para esse ofertório basta um comunicado mastigado e devidamente orientado.
Recordo o jornalista madeirense já desaparecido, Tolentino Nóbrega, que apesar de não ter um livro patrocinado por algum "mecenas cultural" - como outros seus congéneres - era astuto, e não tinha medo de incomodar o tal "porreirismo" reinante tão incompatível com a nobre missão de informar.

A mensagem política hoje em dia não dispensa o marketing, como outro qualquer negócio, havendo nichos especializados que com mestria, seduzem o público e eleitores, como qualquer acção de captação de mercado. Além do mais, nos meios pequenos com um mercado limitado, há interesses que se intersectam de forma nem sempre casuística ou desinteressada. No mundo em que eu acredito viver, a informação rigorosa, e imparcial destinada a quem pretende ser informado, deve-se manter apartada da contenda propagandista, e sobretudo não dar azo a que se percepcione os enredos opacos do caldo promíscuo, das "encomendas" informativas desprovidas de sentido crítico, questionamento, ou sequer contraditório.
Toda a gente precisa de pagar contas ao final do mês, e a realidade não se compadece de quimeras românticas, mas, abomino a "informação prostituída” na podre simbiose manipuladora de interesses alheios à essência da informação.
Uma comunidade acrítica será sempre pobre, sendo expressão duma democracia doente, e capturada pelos "manipuladores profissionais da informação", ainda que tenhamos a ilusão duma possibilidade de escolha.

3 comentários:

José Vicente Gomes disse...

Excelentemente escrita e, sobretudo, totalmente acertada. Parabéns!
Para ilustrar a subserviência e completo abandono das mais elementares regras do jornalismo, permitam-me um exemplo: ainda há poucos dias, o DN veiculou, sob a capa de notícia assinada pela jornalista (?!) Ana Luísa Correia e com chamada à primeira página, uma descaradissíma mentira.
A ideia geral era a de que os assistentes operacionais ao serviço da administração pública regional seriam aumentados (reposicionados na 4.ª posição do índice remuneratório para quem está mais familiarizado com a criptologia da função pública) pelo Governo Regional por via do Orçamento regional.
Se a senhora jornalista em questão se tivesse dado à maçada de se deter na simples leitura do artigo da lei do orçamento regional que mencionou e, por certo, constava da "informação" que lhe foi "passada" por algum assessor de comunicação da Vice Presidência teria percebido o logro: o Governo Regional limitar-se-á a dar execução ás determinações da República que já constavam da Lei do Orçamento de Estado. Não lhes acrescentou uma vírgula ou um cêntimo que fosse. Nem sequer foi mais expedito a pagar. No entanto, à beira da consumação do "aumento salarial", não hesitou em cumprimentar com o chapéu alheio. E a senhora jornalista fez passar a aldrabice, perante o silêncio ignorante de toda a oposição parlamentar e extraparlamentar, incluindo as delegações regionais dos partidos no poder em Lisboa e os que se fazem passar por dirigentes regionais dos sindicatos dos funcionários públicos.
Se não é prostituição, é leviandade!
Muitos parabéns, Donato Macedo, pelo acerto da sua denúncia! Imprensa livre, já!

Anónimo disse...

Estamos numa sociedade faz de conta onde o cafofo ia de mota e agora conduz o motorista, os secretários começaram por ir às reuniões do GR nos carros uns dos outros e agora até os diretores andam de carro preto com motorista.
É só parecer, ser é outra coisa e cada vez menos o são.

Anónimo disse...

A imprensa iniciou o estrangulamento dos seus profissionais (e dos princípios que norteiam estes) no momento em que todo o palhaço que diga batata (e nem precisa de a dizer duas vezes) pode escrever umas crónicas, mandar umas larachas e dar umas opiniões! Por isso, quase não há jornalismo de qualidade, está tudo entregue a uns "verborreios" que nem nas suas áreas profissionais são bem sucedidos. Por isso do DN e do JM só leio a necrologia (às vezes só vejo as fotos), acho que isso ainda é entregue a jornalistas de profissão.