Bonifácio Feliz

Gil Canha

Esta tarde, mal saí do tribunal, fui a correr para casa, para acalmar e resgatar do desespero o meu gato Bonifácio.

Como já tinha relatado, o meu bichano de estimação enclausurou-se dentro da despensa da minha casa, no meio dos frascos dos picles, dos sacos de arroz e do café, aterrorizado com o processo que o Cafôfo metera ao seu querido dono.

Abri a porta do meu apartamento, e dirigi-me veloz à despensa, onde ouvi um ronronar desesperado vindo do interior. Abri a porta de rompante e dei com o Bonifácio desconsoladamente agarrado a uma caixinha de sumo Bongo, ananás.

- Então seu desgraçado?! Vou voltar a comer aquelas whiskas intragáveis de supermercado? – perguntou o gato pesaroso.

Fiquei um pouco ofendido pelo egoísmo pantagruélico do Bonifácio, enquanto ando eu numa demanda quimérica e romântica em defesa das liberdades, da honra e contra a rataria rapinadora, o Bonifácia vive aterrorizado com as consequências nefastas dos processos judiciais na sua dieta de salmão dinamarquês e nos arenques saturados em óleo de sardinha. (Nisto o meu gato é muito parecido com o povo madeirense)

Dei uma risada alegre, e com carinho peguei no meu gatão e pu-lo ao colo, de barriga para cima:

- Sabes Bonifácio?! – fazendo-lhe umas coceguinhas no ventre peludo - O titio rebentou com o Cafofo! O Tribunal é da opinião que os deputados devem ter a liberdade total de defender o povo sem qualquer espartilho ou ameaça, mesmo vinda de cantores de opereta gastadores do dinheiro público em jornais.

A face lãzuda de Bonifácio iluminou-se, os seus olhinhos felinos humedeceram-se, e olhando para mim ternamente como costuma olhar para a gata do 1º Andar, replicou feliz.

- Hi, hi… Boa! Lindo! Então para comemorar a tua vitória já posso encomendar Paté de Fígado de Lebre, ou mesmo, língua de raposa estufada em arroz-de-lapas! Mas atenção seu desgraçado… - admoestou-me o bichano fingindo-se zangado -  a partir de hoje não pegues mais com os Sousas, com o Avelino nem com esses estarolas da Câmara… não te faças tonto que a viloada não merece… eles que se amanhem!..

E felizes fomos para o sofá ver um filme sobre as aventuras do Rato Pelado e um documentário sobre o venenoso limpa-metais “Terras do Avô”.