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segunda-feira, 7 de maio de 2018



Insatisfação



“(….) naquela viagem, segundo se diz, atravessando os Alpes, passou por uma pequena cidade de bárbaros, habitada por alguns homens pobres e mal situados; os familiares que o acompanhavam, perguntaram-lhe, gracejando, se naquela terra também havia litígios e brigas por causa de cargos públicos e se havia rivalidade e inveja entre os principais por causa das honras. César respondeu-lhes: "Isso eu não sei, quanto a mim, porém, eu preferiria ser aqui o primeiro do que o segundo em Roma". Outra vez, semelhantemente, na Espanha, pôs-se a ler alguns fatos da vida de Alexandre; ficou depois muito apreensivo e depois, começou a chorar. Vendo-o, seus amigos -muito se admiraram e perguntaram-lhe o motivo. Ele respondeu: "Não vos parece bastante, para eu sentir, que o rei Alexandre, na idade em que eu estou agora, já tinha conquistado tantos povos e países e eu nada fiz até agora digno de memória?" “
Plutarco, Vidas Paralelas Alexandre e Júlio César

A ambição motivava César. A ambição é o desejo ou necessidade de obter um determinado objecto. César estava insatisfeito… pelo que lutou para obter as honras que desejava.


 “XI, 18.1. Disse o Mestre: “O Whoej será que tudo lhe sobra? Não raro está sem nada”.
2. O Tzhy não se contenta com a sua sorte. E crescem-lhe os haveres. As suas apostas frequentemente dão certas.”
Confúcio, Analectos, Quadrivolume.

A Felicidade encarada como bem-estar é basicamente a ausência de necessidades ou de desejos. Um ser feliz está satisfeito consigo mesmo. Faz, produz… mas não pensa, nem atribui qualquer valor ao exterior. Assim, o ânimo que demonstra é o de “um piloto automático”, desconhecendo-se previamente o efeito de uma qualquer contrariedade na ação consistente até aí produzida: tanto pode ser ignorado, como levar à desistência, como à saída da felicidade e entrada em modo de luta,…
A nível de consistência de ações e de decisões, a insatisfação e a dor produzem melhores resultados que o amor. Aquele que odeia a Injustiça, luta mais pela Justiça que o que ama a Justiça, pois o Amor, tal como a Felicidade, dispersam as forças do Individuo, o que por sua vez provoca um deixar andar, um simplesmente ser, enquanto o Ódio as concentra, e impele a uma ação.
Não quero dizer que o Amor não consiga produzir uma ação muito poderosa, ou mais poderosa que o Ódio. O que estou dizendo é que essa ação não será tão consistente, não terá tanta Moral, não será tão pensada, nem tão sentida, … pois muitas vezes só se nota o Amor pela sua perda (tal como a Felicidade).
O Amor e a Felicidade quando sentidos não têm razão de ser: devem-se a tudo e a nada. O Ódio e a Insatisfação têm razões objetivas, pelo que têm objecto, finalidade e meios razoavelmente definidos.

Sim, também acredito que um ser satisfeito executa tarefas simples melhor que um insatisfeito… pelo que poderá produzir mais.

Tanto Maquiavel como Confúcio aconselham os reis para os perigos da insatisfação, pois esta gera a ação, e mesmo a Mudança (lembro que o ser humano tem medo do desconhecido).
Todos os Estados bem governados e todos os príncipes inteligentes tiveram cuidado de não reduzir a nobreza ao desespero, nem o povo ao descontentamento.” 
Maquiavel

“Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal.” 
Maquiavel

Parafraseando Confúcio: o Dano aconteceu pois não lhe foi posto cobro no início de seu desenvolvimento.

Outros exemplos, sobre o efeito da Satisfação na manutenção do status quo são dados por George Orwell em “1984” e por Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo”: as ditaduras mantinham-se através do estado de não-infelicidade de todos os cidadãos.

A nível mais pessoal, penso que já todos vimos indivíduos a serem muito simpáticos (i.e., satisfazer) às vítimas de suas maldades recentes. Quem é que nunca desconfiou que a razão de um individuo estar a ser excecionalmente simpático foi uma sua maldade recente para consigo? Quem é que nunca tentou compensar um erro ou uma injustiça com simpatia?

O maior perigo da Insatisfação é a “boca”, tal como Maquiavel expõe:
Na verdade os homens ofendem por medo ou por ódio. (…) E quem acreditar que nas grandes personagens os novos benefícios façam esquecer velhas injúrias, engana-se.”
Maquiavel
E, isto, caros leitores, justifica a necessidade de anonimato em comentários políticos… e depois de entrar na lista negra “deles”, lutar até à sua queda em desgraça[i].


Eu, O Santo




[i] Isto será melhor explicado na próxima publicação.

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