Insatisfação
“(….)
naquela viagem, segundo se diz, atravessando os Alpes, passou por uma pequena
cidade de bárbaros, habitada por alguns homens pobres e mal situados; os
familiares que o acompanhavam, perguntaram-lhe, gracejando, se naquela terra
também havia litígios e brigas por causa de cargos públicos e se havia
rivalidade e inveja entre os principais por causa das honras. César
respondeu-lhes: "Isso eu não sei, quanto a mim, porém, eu preferiria ser
aqui o primeiro do que o segundo em Roma". Outra vez, semelhantemente, na
Espanha, pôs-se a ler alguns fatos da vida de Alexandre; ficou depois muito
apreensivo e depois, começou a chorar. Vendo-o, seus amigos -muito se admiraram
e perguntaram-lhe o motivo. Ele respondeu: "Não vos parece bastante, para
eu sentir, que o rei Alexandre, na idade em que eu estou agora, já tinha
conquistado tantos povos e países e eu nada fiz até agora digno de
memória?" “
Plutarco, Vidas Paralelas Alexandre e Júlio César
A ambição motivava César. A ambição é o desejo ou
necessidade de obter um determinado objecto. César estava insatisfeito… pelo
que lutou para obter as honras que desejava.
“XI, 18.1. Disse o Mestre: “O Whoej será que
tudo lhe sobra? Não raro está sem nada”.
2. O Tzhy
não se contenta com a sua sorte. E crescem-lhe os haveres. As suas apostas
frequentemente dão certas.”
Confúcio, Analectos, Quadrivolume.
A Felicidade encarada como bem-estar é basicamente
a ausência de necessidades ou de desejos. Um ser feliz está satisfeito consigo
mesmo. Faz, produz… mas não pensa, nem atribui qualquer valor ao exterior.
Assim, o ânimo que demonstra é o de “um
piloto automático”, desconhecendo-se previamente o efeito de uma qualquer
contrariedade na ação consistente até aí produzida: tanto pode ser ignorado,
como levar à desistência, como à saída da felicidade e entrada em modo de
luta,…
A nível de consistência de ações e de decisões, a
insatisfação e a dor produzem melhores resultados que o amor. Aquele que odeia
a Injustiça, luta mais pela Justiça que o que ama a Justiça, pois o Amor, tal
como a Felicidade, dispersam as forças do Individuo, o que por sua vez provoca
um deixar andar, um simplesmente ser, enquanto o Ódio as concentra, e impele a
uma ação.
Não quero dizer que o Amor não consiga produzir
uma ação muito poderosa, ou mais poderosa que o Ódio. O que estou dizendo é que
essa ação não será tão consistente, não terá tanta Moral, não será tão pensada,
nem tão sentida, … pois muitas vezes só se nota o Amor pela sua perda (tal como
a Felicidade).
O Amor e a Felicidade quando sentidos não têm
razão de ser: devem-se a tudo e a nada. O Ódio e a Insatisfação têm razões
objetivas, pelo que têm objecto, finalidade e meios razoavelmente definidos.
Sim, também acredito que um ser satisfeito executa
tarefas simples melhor que um insatisfeito… pelo que poderá produzir mais.
Tanto Maquiavel como Confúcio aconselham os reis
para os perigos da insatisfação, pois esta gera a ação, e mesmo a Mudança
(lembro que o ser humano tem medo do desconhecido).
“Todos os
Estados bem governados e todos os príncipes inteligentes tiveram cuidado de não
reduzir a nobreza ao desespero, nem o povo ao descontentamento.”
Maquiavel
“Nunca foi
sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem
não teme o mal.”
Maquiavel
Parafraseando Confúcio: o Dano aconteceu pois não
lhe foi posto cobro no início de seu desenvolvimento.
Outros exemplos, sobre o efeito da Satisfação na
manutenção do status quo são dados
por George Orwell em “1984” e por Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo”: as
ditaduras mantinham-se através do estado de não-infelicidade de todos os
cidadãos.
A nível mais pessoal, penso que já todos vimos
indivíduos a serem muito simpáticos (i.e., satisfazer) às vítimas de suas
maldades recentes. Quem é que nunca desconfiou que a razão de um individuo
estar a ser excecionalmente simpático foi uma sua maldade recente para consigo?
Quem é que nunca tentou compensar um erro ou uma injustiça com simpatia?
O maior perigo da Insatisfação é a “boca”, tal
como Maquiavel expõe:
“Na verdade
os homens ofendem por medo ou por ódio. (…) E quem acreditar que nas grandes
personagens os novos benefícios façam esquecer velhas injúrias, engana-se.”
Maquiavel
E, isto, caros leitores, justifica a necessidade
de anonimato em comentários políticos… e depois de entrar na lista negra
“deles”, lutar até à sua queda em desgraça[i].
Eu, O Santo
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