Ética e Responsabilidade
Uma breve recompilação
de princípios políticos básicos
de princípios políticos básicos
João Barreto
Na sociedade madeirense, fragilizada
pela grave crise da qual emergimos agora a muito custo, instalou-se a ideia
perigosa de que um bom político poderia ser um especialista em ideias gerais e,
sobretudo, vagas q.b.: alguém que proclame qualquer coisa com que quase toda a
gente possa estar de acordo e seja crítico do “sistema” e dos políticos
tradicionais. Para as vítimas da crise - a classe média proletarizada à força de
políticas fiscais e sociais muito agressivas - qualquer um que forneça um
vislumbre de melhoria e não seja oriundo do odiado grupo dos políticos
tradicionais, serve de farol da mudança ambicionada. Melhor ainda se, provindo
de atividades sociais menos evidentes, trouxer a aura imaculada de ser exterior
à política e aos partidos e manifestar simpatia por todas as reivindicações dos
grupos de pressão que vão emergindo na sociedade, ainda que sejam
contraditórias entre si.
Correspondendo à procura logo
surgiram candidatos à procura dos votos mais fáceis e menos conscientes. Se
calhar, o que é mais perigoso, em busca de ações populistas impunes e sem
consequências. A criação, várias vezes recriada ao longo da história, de entidades
míticas, invariavelmente gloriosas, imbatíveis e inexpugnáveis, acabou com
péssimos resultados e todas as vezes, com imensos prejuízos. Daqueles que
tendem a perpetuar-se na história. No entanto, órfãos de paternidades fortes e
como se nada tivéssemos aprendido, recaímos, uma e outra vez, no logro dos
Messias ou Sebastiões que prometem salvar a Pátria.
O homem, segundo Platão e
Aristóteles, distinguindo-se dos demais animais por ser racional, possui, ainda,
a qualidade de ser político, ou seja, a de se organizar racionalmente numa
comunidade com regras. Outros animais que se organizam em grupos (sejam os
lobos ou as ovelhas), não possuem, porém, regras que prevejam a ética, ou seja,
o comportamento justo do indivíduo e do cidadão interagindo na comunidade.
Dizia Aristóteles que aquele que
for incapaz ou não sentir a necessidade de se associar em comunidade, ou é uma
besta ou é um deus, pois não existe agir ético ou virtuoso fora da comunidade
dos homens.
Séculos mais tarde, Erasmo de
Roterdão (1515), convicto de que a comunidade política existe graças às boas
ações e não à simples vida em comum, enfatizava - no bom príncipe -, a
relevância da magnanimidade, da temperança e da honestidade, ou seja, a retidão
moral do soberano.
Com Maquiavel vem a rutura entre
a ética e a política: distinguindo entre a ética e política diz que a “entre a
ótica do indivíduo e a do Estado, nem sempre é bom para o indivíduo o que é
igualmente adequado para o Estado”.
Tendo criado o conceito da
“Raison d’État” (que ainda hoje prevalece), Maquiavel não abandona, porém, os
princípios éticos: O príncipe, não abandonando necessariamente a ética, poderá
abandoná-la ou adaptá-la, conforme os interesses do Estado; daí a conhecida
imagem da força do Leão e da astúcia da Raposa. Mas terá todo o interesse em
manter, geralmente, os princípios universalmente reconhecidos como éticos, para
não ser contestado pelos seus súbditos.
Os princípios liberais e
republicanos que inspiram os ideais democráticos e, mesmo, os das monarquias
parlamentares que persistiram na Europa, exigiram uma renovação da inspiração
primária de que toda a política se inspira na Ética e dela emana.
Depois de dois grandes conflitos
militares à escala mundial, da generalização mundial da democracia parlamentar
e da consolidação das instituições europeias, podemos dizer que, ainda que
possam ser planos distintos da nossa vida comunitária, não há vida em
comunidade sem organização política e sem valores éticos. Existe, sem dúvida a
“forte expetativa de que os governantes se conduzam segundo critérios de
probidade e justiça na administração dos negócios públicos”, disse Cherchi. E
disse mais que “a ética na política diz respeito aos cidadãos investidos em
funções públicas, que como agentes públicos são responsáveis por manter uma
conduta ética compatível com o exercício do cargo público para o qual foram
eleitos”
É, portanto, inadmissível do
ponto de vista ético e à luz da elementar cultura democrática, que qualquer
responsável, eleito ou nomeado, em qualquer nível da administração pública,
nacional, regional ou autárquica, não renuncie imediatamente às funções que
detém, se num local público entregue à gestão pública dos organismos sob sua
responsabilidade, ocorrerem mortes ou lesões corporais graves decorrentes de
eventos que essa gestão pública devesse prevenir ou evitar, independentemente
doutras responsabilidades, nomeadamente criminais. É, por assim dizer, um ponto
irrecusável e inultrapassável. Não carece, senão da investigação primária de
que não se terá devido a ação inesperada e inevitável das forças da natureza.
Não precisa das conclusões de peritos ou das decisões das autoridades de
investigação criminal ou judicial. Deve ser assumida, frontalmente, e ponto
final.
Dizer qualquer coisa em
contrário, será apenas corroborar a ideia de que, afinal, não há ética na
política e de que vale tudo para sustentar uma vantagem (aparentemente)
favorável para o político que apresenta a melhor imagem pública no momento. Se
não for uma improvável e espantosa reunião de eventos meteorológicos, serão os
absurdos e sempre criticáveis atrasos das inquisições judiciárias e tudo
servirá para justificar o adiamento da assunção de uma responsabilidade,
eticamente exigida, que vai sempre tardando. Menos se compreende quando os
responsáveis se furtam aos demais órgãos que foram democraticamente instituídos
para fiscalizar e - cumprindo as próprias responsabilidades -, exigem-lhes responsabilidades.
É o próprio fundamento da democracia representativa que exige a separação de
poderes e é posto em causa. Ter sido eleito, antes ou depois da ocorrência, não
é o salvo conduto de legitimidade que tudo cura ou perdoa. O sistema
democrático está fundado num equilíbrio orgânico de fiscalizações sucessivas
(“checks and balances” no constitucionalismo americano) que assegura, no final,
que o poder, sobretudo o executivo, não vai além das finalidades que lhe são
cometidas. Querer subordinar tudo ao plebiscito maioritário é entrar na via
rápida do populismo que tudo sacrifica às maiorias conjunturais. A democracia
representativa é muito mais exigente e garante que o bem comum seja alcançado,
interpretando e valorizando o voto popular.
Uma palavra final para os órgãos
de comunicação social (o decantado “quarto poder”) que, tudo esquecendo, se
lançam descaradamente em campanhas de promoção, desculpabilização ou de
diversão. Abstraindo do politeísmo de valores e a ética relativista que algumas
teorias sociológicas propugnam, o quadro axiológico propugnado pela ética de
acão que é exigida à comunicação social num quadro democrático, exigiria, no
mínimo, alguma contenção na informação, mas também na contrainformação. Também
aqui não vale tudo, ainda que seja a promessa de vários cadernos publiinformativos”
Estamos atentos e não nos
deixamos enganar!
3 comentários:
Muito prolixo para dizer em tiradas intelectualoides o que qualquer Chico esperto da política já disse. Gostava de ver aplicada toda esta teoria à governação renovadinha era um exercício interessante não era?
Serve para todos.
Não consigo dissociar o articulista "João Barreto" do comentador "João Barreto" que insulta o autor em vez de discutir o descrito nas publicações deste blog.
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