7 de Fevereiro 2019

Senhores da política séria
nas mãos de cristãos-novos 'lenheiros' 

André Escórcio, Virgílio Pereira, autárquicas, Funchal, 1993: onde andavam 
certos valentões de hoje? 

O sr. Escórcio era um sócio e adepto do Marítimo que não perdia nenhum daqueles jogos de arrancar castanheiros no 'regional' dos velhos tempos, estivesse a equipa verde-rubra em fase de esplendor ou na deprimência dos maus resultados. Era assídua presença no associativismo que ao tempo animava diariamente a sede no '17' da Rua D. Carlos I. Até os jogos da reserva ao domingo de manhã, estivesse o pelado do Liceu bem seco e achanado ou feito num lamaçal, contavam com o nosso dedicado adepto. O mesmo acontecia nos campeonatos em que intervinham as equipas jovens do Marítimo. Lá estava ele entre outras figuras de 'fanáticos' verde-rubros.

Em determinada altura, alinhava pelos juniores um filho do sr. Escórcio. Chamava-se André Escórcio. Tive o gosto e a honra de ser seu companheiro de equipa, com Zé Lomelino, Faria, Rui, Dias e outros camaradas de uma vida de bola.

Em determinado jogo do campeonato de juniores, André ficou no banco de suplentes e entrou para marcar um golo salvador do resultado. Na jornada seguinte, a situação repetiu-se: André ficou novamente no banco, entrou perto do final e marcou o golo de alívio para a equipa. No jogo seguinte, mais banco para o André. Ainda antes do desafio, pedi ao meu amigo um comentário sobre os critérios do treinador. A resposta foi simples e em tom suave: "Ele está a ser chato..."

Quando o Marítimo decidiu contratar para treinador principal o sr. Luciano de Sousa, que tinha sido um cruel algoz do Marítimo quer como jogador do CF União - um 'lenheiro' à moda antiga que muitos 'mamolhões' causou em Chino, Raul Tremura e companhia -, quer como árbitro, o sr. Escórcio dirigiu-se à Direcção do Glorioso e disse discordar da contratação, tal como a maioria esmagadora dos adeptos. Mas estava consumado. E o sr. Escórcio entregou o cartão de sócio informando que, quando Luciano de Sousa saísse do Clube, ele retomaria o seu lugar de sócio. Os dirigentes do Clube tentaram demover o icónico associado, mas não o conseguiram. Disseram respeitar a decisão. Sem dúvida que era uma vitória para a linha da paulada que tantos danos causara ao Clube. Enfim, no tempo certo, sr. Escórcio voltou e o Marítimo desbloqueou a sua filiação de sócio, conforme combinado.

Com as voltas que a vida dá, foi André, filho do sr. Escórcio, a deparar-se há dias com uma situação equiparável. Em vez de futebol, tratou-se de política, mas sempre com umas 'raspadeiras' pelo meio. Indignado com a história de um vídeo escandaloso colocado na rede, tendo um camarada seu do Partido Socialista por protagonista, André resolveu pronunciar-se no seu blogue 'Com que Então' e no FB, ao mesmo tempo que se dirigia ao partido pedindo a suspensão do seu cartão de militante até que os dirigentes assumissem uma posição sobre o caso.

Eis que agora chega uma carta de Lisboa, despachada pelo Gabinete de Organização de Dados do PS, sediado no Rato, com a sentença lacónica e glacial: a partir da data, André Escórcio deixava de constar da lista de militantes socialistas. Sem mais explicações.

Afinal, qual foi o crime de André Escórcio, para receber a penalidade máxima? Simples: o título da sua carta dirigida ao partido falava de "anulação" da filiação. Embora o texto fosse claro no objectivo do filiado, que era a "suspensão", como aliás ficou bem conhecido de toda a gente.

Bem, aprofundando um nadinha, o crime de André foi utilizar os espaços ao seu dispor nas redes para fazer chamadas de atenção ao partido, quando achava pertinente. Como se vê fazerem antigos e prestigiados quadros dos partidos nacionais. Mas o tal partido da transparência e da democracia interna, onde, como se ouviu no congresso do dito-cujo PS-M, todos se podem exprimir livremente, aproveitou a primeira oportunidade para se livrar do embaraço. Criticar, só se for em coro com o culto da personalidade no terreno. Nem se tratou de inquirir e conciliar pensamentos. Uma purga ao estilo do 'lenheiro' Estaline. Rua!

Eis como se trata um histórico do PS-M que protagonizou lutas partidárias num tempo extremamente difícil, perigoso, sem nada a ver com o mar de rosas que hoje em dia é fazer oposição nesta Tabanca cada vez mais atrasada e desqualificada. Enquanto outros ficavam atrás do biombo a ver aonde a coisa ia bater, André Escórcio deu a cara pelo seu partido em tantas batalhas, em tantos cargos e em tantas eleições, como em 1993 na corrida à capital, quando teve de enfrentar o super-barão social-democrata Virgílio Pereira - que chamado por Jardim interrompeu o mandato em Estrasburgo a fim de lançar o projecto "Funchal de Alto a baixo". Chefe laranja, ao saber do candidato Escórcio, ironizara que já podia ir de férias, mas acabou por ter de fazer horas extraordinárias, tal o sucesso da campanha do socialista. 

Aliás, se a tentativa secreta de Escórcio de um acordo com Ricardo Vieira, do CDS, chegasse a bom termo, era já nessa altura que a oposição derrubava o PSD na principal câmara da Madeira. Como se viu depois de apuradas as votações.

Repetindo algumas fases do nosso futebol antigo, os 'lenheiros' dominam a política regional.

Cada um sabe da sua vida. O PS-M, de onde obviamente saiu para Lisboa a delação traidora que levou à purga, também sabe da sua. Falamos de uns quantos cristãos-novos da Praça Amarela, uns oportunistas que, nos tempos quentes em que André Escórcio combateu à vista, pondo em risco a sua brilhante carreira na ciência da Educação, andavam escondidos debaixo da cama. Agora, num tempo fácil, aproveitam para mostrar valentia e proceder às suas vinganças de lenho na mão. O deslumbramento e a ganância cega não lhes permitem enxergar que a política é como a nora num poço. 
Mas sim, são os lenheiros a ganhar. Típico deste lugarejo. 

O oportunismo não combina com a dignidade e a competência.
André Escórcio seguiu os exemplos do pai. Só que a civilização mudou. Para pior, nalguns casos.

Que dirá o Professor André Escórcio de mais esta? Se bem o conheço, dirá que eles foram um pouco chatos.