30 de Maio 2019

Pode ser um grande dia

para Miguel Gouveia

1. Será que Miguel Gouveia, novo presidente da Câmara do Funchal, terá pulso para ordenar uma acção de despejo à sede de campanha de Paulo Cafofo, há muito instalada nos Paços do Concelho, despachando-a para o seu lugar certo, que é a Praça Amarela?

O até aqui vice de Paulo Cafofo - presidente desde 2013 que se despede do cargo hoje à uma da tarde -, virá Gouveia decidido a uma ruptura com seis atribulados e desperdiçados anos de instabilidade municipal, para tornar o Funchal uma cidade normal?

Estas são as primeiras perguntas a quem avança para a presidência nas peculiares circunstâncias da política regional actual. Miguel Gouveia terá de mostrar logo à partida se a sua missão se destina simplesmente a dar sequência ao cafofismo, fazendo igual ao demissionário, que inclusive desprezou as funções municipais assim que alguém o convenceu de que poderia chegar ao governo. Ou, pelo contrário, assumirá o cargo de corpo inteiro, pondo as qualidades já demonstradas ao serviço do projecto Funchal. O que, sem incidentes de percurso, lhe permitirá mostrar serviço político-partidário ganhando eleições em 2021 com a camisola do PS-M vestida. 

Então, resistindo à tentação de governar o município apenas até 2023, época de regionais, será questão de trabalhar bem até ao fim do mandato e perfilar-se nas regionais de 2027 para disputar o governo da Madeira taco-a-taco com os candidatos que entretanto apareçam.

Isto é futurismo. Que nada tem de inverosímil, em minha opinião. Mas é futurismo.

Actualidade é enfrentar as dúvidas que estão em cima da mesa: Miguel Gouveia não terá trabalho fácil à entrada para a presidência da Câmara.

Cometerá o erro de manter no cargo aquele que foi chefe de gabinete de Paulo Cafofo? Independentemente das condições de Miguel Iglésias para essa e outras funções, ou Miguel Gouveia o substitui já ou vagueará pelos corredores dos Paços e na opinião pública com a imagem de presidente sob condição. Como o anterior.

Permitirá o novo presidente que os fracos vereadores da sua equipa continuem a substituir as fragilidades e incompetências próprias pela arrogância que Paulo Cafofo permitiu e até estimulou?

Nesta terra, como se sabe, pela arrogância morre o peixe.

Miguel Gouveia tem realmente opções difíceis pela frente a que não poderá fugir.

Deixará ele cair a 'polícia municipal' de Cafofo, desautorizando o ex-chefe, candidato a presidente do governo pela mesma facção política? Ou, pelo contrário, actuará com a frieza que o cargo exige, determinando que para a cidade só interessa o que é melhor para o cidadão?

Será que Miguel Gouveia sobe à presidência com a disposição de colocar os cidadãos acima da guerrilha partidária e das vaidades pessoais?

Construirá uma câmara que não aborreça os munícipes com trânsito caótico, privilégio excessivo às motos em matéria de estacionamentos, afunilamento de ruas, lombas, barreiras, esplanadas tentaculares?

Julgo que não, mas será que Gouveia acabará por cair na tentação de tornear os problemas sérios disfarçando a agenda com sessões inócuas de assinaturas de contratos e protocolos só para a fotografia demagoga, já que os resultados práticos nunca aparecem?

Gouveia terá coragem para dispensar serviços de agências de comunicação, absolutamente inúteis aos executivos fortes? 

Acabará com despesas incríveis sem retorno nenhum para a Câmara só para satisfazer clientelas partidárias?

Vai conseguir pôr um tampão no fluxo de primos e primas a entrar câmara adentro?

Resolverá de uma vez o problema da mal-afamada Frente-Mar, operando a reestruturação que se impõe?

Com a experiência de finanças municipais que ganhou, continuará a canalizar verbas assustadoramente desproporcionadas para agências de comunicação e jornais, sujeitando-se ao azedume geral e às consequências de uma 'Operação Teia' que mais tarde ou mais cedo se manifesta, como agora no Norte do País? E é se já não vai tarde neste capítulo, já que não terá sido Cafofo nem Iglésias a assinar o "pagamento" de verbas exorbitantes a troco do branqueamento de asneiras municipais e promoção da imagem cafofa.

Depois de seis anos de regabofe, Miguel Gouveia, que apesar do pelouro delicado que ocupou conseguiu trabalhar como se estivesse numa "câmara normal" (e não estava), enfrenta estes e outros problemas a que tem necessariamente de dar resposta. 

Outra vez com dois caminhos à escolha. 

Ou imita Cafofo, deixando correr o marfim sem "chatices", uns passeios lá fora e cá dentro, fotografias e exibicionismo. 

Ou resolve aproveitar as suas capacidades para prestar um bom serviço à sua terra, posicionando-se para um futuro de liderança que está ao seu alcance. 

Se optar por esta última estrada, abanará estruturas e criará anti-corpos. Mas depois chegarão os banhos de multidão, para que o líder, o bom líder, ouça o povo de perto antes de decidir na solidão do gabinete.

2. É difícil acreditar no sucesso do projecto que Paulo Cafofo, hoje em despedida da Câmara, anuncia no próximo domingo.

Depois de seis anos na presidência da câmara, o professor de História parte à conquista da terra prometida fragilizado em várias partes da ambição.

Não leva história do seu tempo de câmara, exceptuando a vitória por maioria absoluta (em coligação) em 2017. Quanto a obra, apenas cosmética, fogachos, projectos sem reflexos na vida dos munícipes. 

Vem de uma derrota traumatizante nas Europeias. Não foram primárias. Mas se o resultado fosse favorável ao PS-M, seria interpretado como um triunfo categórico do candidato a presidente do governo. 

E não aconteceu isso. 

O próprio Cafofo sofreu pesada penalização no Funchal: 10-0 em freguesias. 

Desaire memorável.

O efeito PS nacional e Costa não consegue chegar à Madeira, afinal. A incompreensível arrogância do 'três em um' falhou logo à primeira estocada.

Cafofo leva às costas para a nova aventura o doloroso caso não resolvido das 13 mortes e 50 feridos no Monte, tragédia colada perpetuamente à sua imagem.

Deixa também uma câmara mergulhada na mais incrível anarquia, onde uns vereadores são demasiado apagados e outros demasiado prolixos a gritar arrogância por todos os cantos.

Deixa uma cidade perto do caótico.

E agora?

Decidirá tornar-se militante do PS até às regionais, de modo a suavizar a irritação em certos sectores do partido que não lhe dão votos?

Continuará a fazer do PS uma barriga de aluguer para si e para os independentes amigos?

Como pensa gerir a dança das cadeiras no Parlamento, agora que as primeiras indicações eleitorais dizem que serão muito menos do que a basófia socialista prenunciava de peito cheio? 

O famoso 'saco de gatos' impacienta-se.

O PS concorrerá sozinho ou em coligação?

O sr. Professor vai comparecer aos debates televisivos próprios da campanha, arriscando-se a derrotas dolorosas, ou fugirá deles, com as ilações consequentes?

Quando começa Paulo Cafofo a mostrar quadros capazes de um governo, já que até aqui não vemos mais do que um professor universitário ou outro, mais um enviado de Lisboa ou Coimbra, para fazer companhia a Victor, Célia, Iglésias, Pedro, o insistente homem da Ordem dos Médicos e alguns mais com lugar na caderneta de cromos?

É verdade que há um contingente de continentais à espera da vitória PS na Madeira para uma comissão ao sol atlântico?

Que raio de equipa tem?

Que raio de projecto tem?

Ou tenciona ganhar as eleições beneficiando de um culto da personalidade que já era?

Ou à custa de mentiras como aquelas que integram o anedotário da cidade, fazendo rir toda a gente ainda hoje?

Sinceramente, não acredito no bom sucesso desta candidatura com Paulo Cafofo. Mas não vou a ponto de apostar que o homem não chega lá. Ainda há dias falhei ao dizer que o PSD apanharia um bigode nas Europeias. Baseei-me na opinião de antigos e credenciados laranjas que, afinal, me comunicaram o que gostariam de ver acontecer e não aquilo que viam correr nos bastidores do Laranjal. Baseei-me também na basófia dos socialistas, que já cantavam vitória, prometiam lugares e destinavam promoções na RTP-M.

Paulo Cafofo pode vencer em 22 de Setembro. Mas há uma aposta que faço: só o conseguirá se mostrar nestes 4 meses de via-sacra que tenciona fazer o contrário daquilo que descrevi umas linhas acima.

Há uma verdade indesmentível: apesar de tudo o que se passou, Cafofo ainda tem legitimidade para concorrer ao governo. Foi com ele que os funchalenses em 2013 desalojaram o PSD quarentão da Câmara do Funchal. Foi ele o trunfo da 'Confiança' quando da maioria absoluta que rechaçou a reinvestida do PSD em 2017. 

Tem a palavra, pois.

Mas, voltando ao início, o futuro é de Miguel Gouveia. A começar hoje.